CONVERSA NO ALÉM II – MADRE JUREMA E CLEMENCIO

CONVERSA NO ALÉM II – MADRE JUREMA E CLEMENCIO

Conto Espírita

*Enoque Alves Rodrigues

 Clemencio, casado, quatro filhos e esposa devotada, contava a idade de quarenta e um anos quando em pleno exercício do seu livre arbítrio “resolveu”, por conta própria, deixar este Mundo de Expiações e Provas.

Durante o tempo em que ele se arrastou pela atual encarnação terrestre, jamais conseguiu se livrar de débitos contraídos com o pretérito mesmo por que nenhum esforço fazia no sentido de obter, ainda que em doses homeopáticas, a melhora constante a qual todos nós estamos afetos em busca do burilamento da alma e perfeição do Espírito. Clemencio desperdiçou sua oportunidade em vícios que para mantê-los roubou, matou e por último, não tendo nada mais de ruim a fazer, suicidou-se. Agora o seu espírito com ódio e muita dor chegava ao Umbral.

Abro aqui um pequeno parêntese para traçar sucintas especificações do que significa a termologia “Umbral”. Faço-o considerando que nem todos que leem os meus escritos são espiritas ou mesmo o sendo, talvez não tenham tido a presunção objetiva do termo.

O Umbral, ou “Limiar da Entrada” é uma zona obscura de dor e sofrimento, que sempre existiu e que tem por objetivo propiciar condições de purgação aqueles que no Mundo não conseguiram se resolver ou que não atravessaram as portas dos deveres sagrados cumprindo-os, fielmente, perdendo seu tempo no vale dos erros e indecisões. O Umbral começa na crosta terrestre ainda na camada da litosfera de maneira que dada a sua proximidade com o Planeta onde respiramos atualmente, os espíritos que ali transitam, temporariamente, recebem ondas mentais dos habitantes da Terra que dessa forma sofrem-lhes as vibrações perniciosas. O Umbral é o pensamento vivo dos sofredores plasmado no éter da crosta da Terra. Para finalizar esse tópico afirmo o seguinte: não há espírito, por ruim que tenha sido desprovido de qualquer possibilidade de resgate.  Todos são resgatáveis. Uma vez criada a Centelha Divina (Espírito) Deus não a extingue. Ao contrário, dota-a de todas as possibilidades a fim de que siga sua progressiva caminhada em busca da perfeição. Isso se chama “Justiça Divina”. Deus é amor, justiça e perdão e aceitarmos que Ele eliminaria aquilo que Ele Próprio criou, ou seja, (nós tortinhos), seria acreditarmos num Deus Falível o que é inimaginável pelo simples fato de não existir tal ser. Deus é perfeição e nós, Espíritos Sua grande obra, por mais defeituosos que sejamos, somos eternos assim como Ele. Você entendeu? Pois é. Sigamos em frente!

Clemencio, ainda atordoado, mal conseguia visualizar vultos de seus iguais naquele lugar. Não concatenava a mais dúbia ideia de onde estava. Sabia que havia morrido assim como tinha a consciência de que foi ele quem tirou a própria vida. Ao lembrar-se disso o estampido que o vitimara soava-lhe aos ouvidos mais nítido e forte. Viu-se, de repente, todo enlameado, em um pântano. Surpreso observou que ali também o sol nascia e se punha. Barulhos incessantes atormentavam-no num diapasão sem fim. Turvos pela maldade, seus olhos não viam que mãos amigas eram-lhe estendidas oferecendo o almejado socorro.

Muito tempo depois, num entardecer, pode observar os reflexos de algo em forma de mão e uma voz suave que lhe pedia para que a segurasse. Segurou-a, imediatamente. Aquela mão o alçou do solo pantanoso. Ao atingir o mesmo nível de altitude rosto a rosto seus olhos se cruzaram. Num misto de feliz e assustado não se conteve. Chorou amargamente. Aquela mão salvadora que o alçara pertencia a um Espírito evoluidíssimo não obstante estar ali. As suas paragens se estendiam a inúmeras camadas acima de onde ele estava e foi enviado à Crosta para guiar Clemencio.

E quem era aquele espírito?

Madre Jurema!

Madre Jurema?

Sim. Madre Jurema!

Mas, quem foi Madre Jurema?

Pois não. Explico:

Madre Jurema da Conceição Pereira era Superiora no Convento da Ordem das Carmelitas Descalças, em Guaxuma. Num fatídico dia de Abril, com o cérebro tomado pela droga, aquele desalmado bandido, violento e sanguinário, adentrou as portas do Convento á procura de dinheiro para saciar o vicio. Depois de promover a mais terrível das barbáries, torturando e violentando indefesas irmãzinhas que não tinham nenhum níquel, chegou finalmente à Madre Superiora. Diante de sua afirmação de que também não tinha dinheiro, incontinente, num gesto impensado tirou-lhe a vida. Agora ele estava ali, frente a frente com ela.

- Tenho certeza de que matei a senhora lá embaixo na Terra. A senhora se lembra?

- Vem, meu filho. Temos coisas importantes a fazermos por aqui!

- A senhora está me conduzindo a algum Tribunal? Eu vou ser julgado aqui, é isso?

- Vem, meu filho. Temos coisas muito mais importantes a fazermos. Siga-me, por favor!

- Posso pelo menos perguntar á senhora “dona Madre” para onde está me levando?

- Estou te levando para o Núcleo dos ladrões, assassinos e suicidas. Toda esta região aqui está subdividida em Núcleos. Estou te levando para o seu!

- Então é neste tal de Núcleo que eu vou ser julgado e condenado? Vai ser um julgamento coletivo por que aqui vocês não perdem tempo. É isso?

- Não... Não é isso... Aqui não se julga ninguém. Tampouco alguém aqui se condena!

- Não entendi. Então tudo que eu fiz lá embaixo foi esquecido? Não vou pagar por nada? Parece o Código Penal do Brasil de 1940. A senhora, porventura, me perdoou?

- Perdoei claro. Até por que você nenhum mal me fez. Como você pode ver, não morri... O Espírito é imortal. Nunca morre!

- Beleza... Maravilha... Aleluia, irmã... Então eu estou “zerado?” Agora eu entendi, claramente... É como disse Jesus àquela mulher pecadora lá embaixo: “vá e não peques mais!”.

- Negativo, disse-lhe Madre Jurema, - não é bem assim!

- Como, não?

- Não, claro!

- E por quê? – Quis saber Clemencio.

- Você não tinha o seu livre arbítrio?

- Sim, tinha!

- Você lá era dono das suas vontades?

- Sim, era!

- Quem foi que lhe deu o seu livre arbítrio. Você saberia me responder?

- Sim, sei. Dizem que foi Deus!

- Muito bem, disse-lhe Madre Jurema, estamos progredindo em nossa conversa. Fico feliz. Agora me responda com toda sinceridade.

- Pois não!

- Quem foi que lhe mandou tirar-me a vida... Foi Deus?

- Ah, irmã... Espere um pouco... A senhora começou a fazer perguntas difíceis... Assim a senhora “quebra eu”.

- “Eu não tenho essa resposta, não senhora!”.

- Só me responda, por favor. Foi Deus?

- Não, senhora. Não foi!

- Ah, é?

- Bem, filho, chegamos ao seu destino... Fique em paz e boas vibrações para você!

- Mais... É aqui neste lugar feio, fétido, escuro e assombrado que eu vou ficar? Eu tenho medo!

- Uai, do que você tem medo agora? Quem foi capaz de ceifar a vida de alguém e no final, tirar a própria vida, apropriando-se, indevidamente, do Poder do Criador, é “macho pra caramba” e tem coragem para tudo... Deus é Amor, mas também é Justiça. E, depois, você se esqueceu? Sim, por que até aqui você, espertamente, só se lembrou da parte que lhe favorece que fala do perdão à pecadora arrependida. “A cada um segundo ás suas Obras, você nunca ouviu falar?”.  “Quem planta vento, colhe tempestade, negão”. Traduzido, filho, você está fu... Funicado para não dizer-lhe outra coisa por que aqui não é permitido.

Disse isto e evaporou-se.

Madre Jurema cumpriu com a sua missão que consistia somente em “fazer as honras da casa encaminhando o recém-chegado Clemencio aos seus aposentos”.

- Socorro, Madre... Ajuda aqui!

Ao longe, lá nos confins do firmamento, só se ouvia Madre Jurema esbravejando...

- Ao contrário de você, filho, só faço aquilo que o Senhor Deus me determina... Não tenho permissão para te ajudar. Não insista, e antes que eu me esqueça...

 Divirta-se. Procure ficar em paz se é que isto lhe é possível...

*Enoque Alves Rodrigues é Espírita