CONVERSA NO ALÉM X - AGOSTINHO, O FRACASSADO
Conto Espírita.
*Enoque Alves Rodrigues
Por mais que os médicos tentassem, não conseguiam reverter o processo infeccioso que aos poucos consumiam o paciente Agostinho. Todos os antibióticos foram devidamente ministrados, mas, as bactérias denominadas estafilacocos áureos não cediam. Ao contrário, reproduziam-se.
A cada dia que se passava o nosso bom amigo Agostinho piorava. Trabalhador incansável na lavoura acercou-se, levado que foi pela dor, aos preceitos da Doutrina Espírita e agora, já idoso, frequentava um centro em sua cidade, Pindamonhangaba, no vale do Paraíba.
Ali, depois de completar o curso básico de Espiritismo, aprendera que o bom Espírita é aquele que a tudo enfrenta sem reclamar e principalmente, com coragem, fé e determinação. Que a prece é o mais eficaz bálsamo que alivia toda e qualquer dor. Que devemos viver um dia por vez, sempre praticando o bem. Que o despojamento ás coisas materiais são traços inerentes a todo e qualquer espírita. Que todo sofrimento enquanto aqui estivermos são provações pelas quais teremos que passar no Planeta terra, etc.
Bem, ele agora se encontrava ali, naquela cama de Hospital lutando contra a morte sobre a qual todos quantos dela falaram, minimizaram. Nós Espíritas não somos muito dados a exaltar as dores que a morte nos traz. Somos doutrinados a convivermos com a morte e as perdas causadas por ela, mas de forma meio superficial. Aprendemos á aceita-la com resignação mirando-nos no exemplo maior que nos foi dado pelo Divino Mestre do Calvário. No entanto, ao contrário de Jesus, somos ainda crianças que se amedrontam e melindram com coisas desconhecidas com as quais não estamos familiarizados e convenhamos que a morte assim como suas dores assustam. Na hora do “vamos ver” é que o bicho pega e o bicho estava pegando lá pelos lados de Pinda, ou mais especificamente, pelos lados do companheiro Agostinho.
Não teve jeito. A carne á fraca mesmo.
Foi só os remédios deixarem de amenizar as dores de nosso irmão para que ele botasse a boca no mundo. Perdeu, lamentavelmente, toda e qualquer compostura e, em seu desespero xingava e amaldiçoava a tudo e a todos. Os Médicos eram tratados de incompetentes, relapsos e mercenários, e as enfermeiras, coitadas, de tudo quanto era nome.
Ele não colaborava com a própria recuperação. Por isso o quadro só piorava. Dores terríveis agora eram constantes. Ministravam-lhe morfina. Quando lhe perguntavam de zero a dez qual é a escala de sua dor ele respondia aos berros, mil... Seus incompetentes. Que diabo de medicina é essa que não consegue nem estancar uma dor?
Médicos desencarnados agora o visitavam. Eles foram designados pelo Plano Superior para colaborarem com os médicos encarnados que cuidavam de Agostinho. Mas nosso amigo já estava de saco cheio de tantas dores. Meio fraco, ao cair em modorra sentiu-se como se estivesse em outro plano. Ali ele ouvia que alguém lhe falava aos ouvidos...
- Agostinho... Você tem que reagir! Essa sua doença não é tudo isso que você está pensando... Você a maximizou extremamente até que ela chegasse a esse ponto. Os médicos já fizeram a parte deles. Por favor, faça agora a sua... Que raio de Espírita você diz ser? Levanta. Te manca homem... Que frouxidão é esta?
Nesse entrementes adentrava seu quarto de Hospital o doutor Jurandir, médico chefe daquela ala de enfermos. Vinha com seu jaleco branco e estetoscópio no peito. Ao se aproximar de Agostinho, disse-lhe.
- E, então, meu querido amigo. Como estamos hoje?
- Mal... Muito mal. Tanto assim que acabo de ter um sonho com alguém do outro mundo me dando broncas.
- Qual foi á bronca que lhe deram?
- Me mandaram levantar daqui. Chamaram-me de frouxo. Disseram-me que os médicos materiais, já fizeram a parte deles e que tudo agora depende de mim.
- Posso lhe perguntar uma coisa, Agostinho?
- Pode!
- Você promete não se zangar comigo?
- Prometo!
- Então lá vai...
- Manda...
- Depois de ter escutado tudo isso. Após passar por todo este esculacho, o que mais lhe prende a esta cama?
- A preguiça... A inércia... A incompetência, respondeu Agostinho.
- Suas? Quis saber o doutor Jurandir.
- Minhas não. De forma alguma. Eu sou o máximo. Competente em tudo. Deles: respondeu Agostinho apontando para a equipe de médicos e enfermeiras, zelosa e prestativa que dele carinhosamente cuidava.
Agostinho conseguiu transformar uma simples e pequenina dor numa doença incurável, cuja solução estava em seu interior, mas que ele insistia em não ver. Jogou aos ombros alheios o fardo que lhe competia carregar.
Não teve jeito. Queimados todos os cartuchos e oportunidades que lhes foram concedidas pelo Plano Superior ao qual não restou alternativa senão recolher o “obsoleto” e precocemente “enferrujado” Agostinho que naquela mesma noite retornou ao Mundo Invisível. Quem sabe na próxima encarnação volverá melhor preparado para enfrentar os percalços da vida na Terra e com isso consiga obter algum preparo para suportar as dores e por fim a consequência natural delas, ou seja, o desencarne, de preferência mais tolerante, paciente, compreensivo, solidário e se possível menos egoísta.
Fraternal abraço.
*Enoque Alves Rodrigues é Espírita