*Enoque Alves Rodrigues
Em 1972 eu trabalhava na construção da Usina Hidrelétrica de Volta Grande que fica a sessenta quilômetros da Cidade de Uberaba. Durante a semana ficava alojado no acampamento da Mendes e nos raros finais de semana que tinha folga, ia para Uberaba “namorar” com Maria Aparecida, uma jovem, á época, com dezessete anos, e frequentar a Casa da Prece do Baluarte do Espiritismo no Brasil, Chico Xavier.
A casa dos pais de Maria Aparecida ficava exatamente em frente à casa de Chico, no Parque das Américas. Abro aqui pequeno parêntese a fim de aclarar aos jovens atuais que os namoros daqueles tempos não passavam de simples trocas de olhares. Não obstante o pai de Maria Aparecida, senhor Aristeu trabalhar comigo na mesma empresa e localidade, o máximo que eu consegui durante os 17 meses de namoro que se encerrou com a minha vinda em definitivo para São Paulo, foi pegar na mão da namorada. Mesmo assim, lembro-me muito bem, foi em um parque de diversões sob os olhares de Aristeu e de dona Veridiana, mãe daquele divino ser, cuja senhora, é o personagem que ilustra fielmente minha crônica real e verdadeira, desta semana.
Veridiana Aparecida da Silva vivia “ás turras” com o Espiritismo. Havia desde a infância frequentado Centros de diversas etnias em busca de respostas que na maioria das vezes estão dentro de nós mesmos. Ansiava obter uma explicação clara e convincente para a morte dos pais que haviam partido quando ela ainda era uma pequena infante, recolhidos que foram tragicamente quando se afogaram no rio grande no Município de Conceição das Alagoas, Minas Gerais. Foi assim, com a mente confusa, frustrada e desiludida com o insucesso de anos de procura, que ela certo dia, permitiu-me convencê-la a fazer uma visitinha ao bom amigo Chico. Vivia defronte a casa de Chico, mas sequer havia pensado um dia visita-lo. Ela estava realmente com o espírito em pandarecos. Em sua confusão mental, tornou-se uma pessoa terrivelmente difícil. No convívio diário ela amaldiçoava a tudo e a todos. O pobre do Aristeu já não a suportava. Ela havia tentado por duas vezes suicidar-se. A situação estava mesmo um inferno. E agora eu, que só queria namorar, presenciando aquele sufoco. A namorada, tímida de nascença, assim como eu, já não tinha assunto que sinalizasse as coisas do coração. Nada indicava que namorávamos. Eu tinha de fazer alguma coisa. E fiz.
Finalmente, para a minha felicidade e de Cida, chegou o grande dia. Ei-la diante de Chico Xavier.
- Aquele menino, “sem juízo que frequenta isso aqui” - falou ela para Chico, apontando para mim que aguardava minha vez de ser chamado-, foi quem “me mandou” procurar o senhor!
- Seja bem-vinda minha irmã... Vamos entrar, disse-lhe Chico, bondoso, apontando em direção á porta... Vamos ver o que os nossos amigos tem a nos orientar!
- Espere um pouco, “seu Chico!”. Eu vim aqui para me consultar com o senhor e não com os seus amigos! Aliás, o que eu tenho a lhe dizer é muito confidencial e deve ficar somente “entre nós!”. – Eu tenho “certeza” que o acontecido com os meus pais foi causado por alguém...
- Por favor, irmã, tenha a bondade... Entre. Vamos conversar lá dentro... Já pressinto a presença da resposta que a senhora almejou a vida toda... Vamos entrar... Os “amigos” estão em missão rápida aqui na Terra e há outros necessitados a serem atendidos!
Entraram.
Alguns minutos depois, com a porta entreaberta quando ela aos prantos se despedia de Chico, pude escutar o seguinte diálogo:
- Paira, ainda, minha irmã, alguma dúvida em vossa cabeça a respeito do desencarne de vossos pais?
- Não, senhor! - Respondeu-lhe dona Veridiana.
- Necessita de mais alguma informação? Aproveite... “Eles ainda estão aqui!”.
- Não, senhor... Carece não... Já vi tudo... Não quero mais nada. Chega... Estou confortada...
- Pois não. Deixemos então as “coisas” como elas estão. Satisfaça-se com o que a senhora acaba de ver e ouvir... Vá em Paz e que Jesus lhe acompanhe! - Ele sempre se despedia desse jeito.
- Assim seja, seu Chico...
- Seu Chico?
- Pois não, minha irmã!
- Eu posso comentar depois “com esse menino” a conversa que tive com o senhor e “seus amigos?”.
- E por que não? – Não há segredos entre os Céus e a Terra uma vez que Deus tudo vê...
- Uai, disse-lhe Chico como se estivesse surpreso, com uma ponta de sorriso nos lábios, mas a senhora vai comentar a nossa conversa justamente com “esse menino sem juízo?”.
- Pois é, seu Chico. Depois de tudo que eu vi e ouvi, entendi também que a única “sem juízo” aqui era eu.
Chico sorriu.
- Vá com Deus, minha irmã!
Terminada a minha consulta, atravessamos a rua em direção á casa de dona Veridiana.
- Posso perguntar uma coisinha pra senhora?
- Pode!
- O que aconteceu lá dentro que a fez chorar tanto?
- Os meus pais!
- Claro. Disso eu já sei... A senhora foi lá para ter contato com os vossos pais e saber como morreram...
- Sim, mais não foi só isso que aconteceu, não!
- Como assim? Perguntei-lhe, surpreso.
- Seu Chico me entregou um papelzinho dizendo que era a mensagem dos meus pais...
- E daí? Ele faz isso com todo o Mundo... A senhora não identificou na mensagem que o Chico lhe entregou a grafia ou o linguajar de vossos pais?
- Sim... Identifiquei!
- Continuo sem entender nada...
- Fui uma tola... Eu não acreditei... Pedi a ele que me desse mais provas.
- Não. A senhora não fez isso!
- Fiz, sim!
- E ele deu?
- Deu!
- Como assim?
- Foi um horror. Os meus pais se materializaram na minha frente e ainda me deram um esporro:
- Filha ingrata, vá cuidar da sua vida, do seu casamento e dos seus filhos... Vê se nos esquece, por favor... Sua mãe e eu somos Missionários na vida eterna... Temos assuntos muito mais importantes a fazermos, que não seja a cada instante descermos aqui para te equilibrar. Respeite os desígnios de Deus. Você pensa que a nossa adaptação ao novo Plano depois do suicídio foi fácil?
- Suicídio?
- Sim... Suicídio... Eles se suicidaram...
- Foi suicídio!
- Ah, bom... Agora eu entendi.
*O autor é Espirita e está revisando seu primeiro livro de temática espirita “Linhas Cruzadas”.