Humildade, sim. Orgulho, nunca!

Humildade, sim. Orgulho, nunca!

*Enoque Alves Rodrigues

Ele andava muito triste. Quem o conhecia de antes, sabia o quanto ele era alto astral. Sempre alegre e sorridente.

Outrora, superava com entusiasmo e galhardia, os obstáculos que a vida se encarrega de colocar à nossa frente como prova de oportunidades que Deus nos concede para seguirmos em frente com o nosso resgate.

Aquele amigo trabalhava em uma grande empresa metalúrgica onde era exemplo de dedicação, fidelidade e pontualidade para todos os demais. Agora, não. Relapso extremado, impontual, pois chegava atrasado quase todos os dias, mantinha o semblante fechado e não se abria com ninguém.

Geralmente existe em quase toda empresa organizada um Setor de RH provido inclusive de psicólogos devidamente treinados para detectar qualquer manifestação por menor que seja no comportamento de seus colaboradores. Ali, naquele abençoado chão de fábrica não foi diferente. Perceberam, imediatamente, aquela mudança indesejada do operário. Os psicólogos até que tentaram, mas não conseguiram resolver o problema de nosso amigo. Ele fechou-se em copas, definitivamente.

- Deoclécio, você está em área de risco e se esqueceu de usar os equipamentos de proteção!

- E qual é o problema?

- Pode cair-lhe algum objeto sobre a cabeça.

- A cabeça é sua?

- Não!

- Então?

- Deoclécio, você não quer se abrir com a gente? Estamos aqui para lhe ajudar!

- Não... Ajudar com o que se você não consegue sequer se ajudar?

- Cuide-se da sua vida!

Daquele jeito não tinha mesmo quase que nenhum clima para um diálogo saudável. Que Deoclécio estava com problemas todos sabiam, mas, quais eram esses problemas? Bem, isso é o que tentavam descobrir.

- Mestre, ele não vai conseguir se desvencilhar. Olha lá mestre a carranca negativa de nosso amigo Deoclécio... É com essa cara que ele vai saudar os seus débitos?

- Não se aflija meu bom, Dilermando, ele vai se equilibrar...

- Desse jeito?

- Sim. Desse jeito. É só darmos a ele o tempo necessário.

Só que infelizmente ocorreu o contrário. A cada dia que se passava Deoclécio se tornava mais azedo. As relações dele com os seus colegas de trabalho naquela empresa já estavam em pandarecos. Fez-se oportuna e providencial a intervenção do pessoal do RH de maneira unilateral.

- Senhor Deoclécio!

- Fala aí. O que você quer?

- Conversar com sua pessoa!

- Conversar o que? Sobre que assunto?

- Tomamos conhecimento, disse-lhe a jovem do RH, através de vizinhos seus, das dificuldades particulares que o senhor está enfrentando, inclusive com credores que estão batendo-lhe à porta.

- Diabos, como esses vizinhos são linguarudos... Por que se metem tanto na minha vida? O que é que eles têm a ver com isso? Quem foi que pediu ajuda para eles?

- Bem, respondeu-lhe a jovem, isso não sabemos. Tudo o que sabemos é que a alta direção da empresa com base no colaborador exemplar que o senhor sempre foi nos determinou fazer o possível e se necessário for, até o impossível, para lhe ajudar a sair dessa situação a fim de que possamos voltar a ter o funcionário alto astral de antes. Queremos voltar a vê-lo sorrir. O vosso sorriso, franco e aberto, era motivo de grande alento e motivação aos seus companheiros que partícipes de sua alegria e felicidade, superavam as metas de produção enquanto que agora, tristes e preocupados com o seu estado, tornaram-se surpreendentemente improdutivos. Levanta-lo compreende recuperar o crescimento da produção e o astral de seus companheiros.

- Mestre... Olha que bela oportunidade o amigo Deoclécio está tendo... Mestre, o que vai acontecer? Ele vai aceitar?

- Não sabemos, temos de esperar um pouco!

- E então, “seu” Deoclécio, como ficamos? Poderia nos informar o montante de suas dívidas para quitarmos?

Pois é, meus amigos, o orgulho na maioria das vezes nos cega e entorpece a mente levando-nos ao despenhadeiro da intransigência sobre decisões fúteis onde ignora-las, simplesmente, seria a melhor solução. Ali estava diante daquela jovem do RH um ser amargo e renitente que não conseguia distinguir, nem mesmo as mais puras intenções em seu próprio auxilio. Em nome de seu orgulho ele tinha de manter sua posição. Eivado de ódio de si próprio, articulou em sua cachola as seguintes frases com as quais pretendia responder a jovem...

- Não preciso de ajuda... Não quero nada... Está tudo muito bem... Quem lhes disse que estou com problemas, mentiu. Já falei, cuidem-se da vida de vocês e deixem-me em paz com minha tristeza...

Ainda bem que ele só conseguiu pensar, pois antes de lançar à fala aquela bomba produzida em seu intelecto envenenado, o que se ouviu foi muitíssimo diferente...

- Perfeitamente, minha doce jovem... Estou passando por sérios problemas de doença em família que para amenizar as dores de minha genitora contraí várias dívidas inclusive no mundo da agiotagem as quais não estou conseguindo saldar. Também não quis levar para a empresa por entender ser esse um assunto pessoal, mas se a empresa se propõe me ajudar eu só tenho que agradecer. Disse isto e passou ás mãos da moça do RH o montante das dívidas que naquele mesmo dia foram pagas pela empresa que retomou o seu crescimento normal.

- Mestre...

- Fala Dilermando!

- O que aconteceu? Ele estava irredutível e de repente, sem mais nem menos, mudou de ideia ao decidir aceitar ajuda!

- Quem foi que lhe disse que foi sem mais nem menos? Porventura você não percebeu os movimentos dos meus lábios?

- Sim, percebi!

- Pois é... Foi isso...

- Isso o que, meu bom senhor?

- Explico:

- Enquanto Deoclécio concebia suas respostas eu lia-lhe o pensamento. De maneira que ao projeta-las para a fonética, nesse átimo de milésimo de segundo, no percurso da mente à fala, eu interferi e coloquei em sua boca as palavras que ele teria de falar para sair desse atoleiro. Mas, confesso a você que não foi nada fácil.

Jesus...

Essa foi por pouco!

Fraternal abraço.

* Enoque Alves Rodrigues é espírita