CONVERSA NO ALÉM IV – O CHICOTINHO I

CONVERSA NO ALÉM IV – O CHICOTINHO I

Conto Espírita

*Enoque Alves Rodrigues

Ela havia se desencarnado recentemente. Não há desencarne sem justificativa e o dela foi atribuído a um aneurisma cerebral. Rompeu uma veia condutora dos glóbulos vermelhos encarregados de lubrificarem os órgãos da caixa craniana e isso foi fatal. Ela agora se encontrava ali naquele Hospital localizado em uma importante Colônia Espiritual denominada São Clemente. Esta Colônia da qual pouca informação recebemos, pois não faz parte dos relatos de André Luiz, fica situada acima da Cidade de Campina Grande, na Paraíba. Temos sobre ela um pequeno e diminuto relato que nos foi trazido pela Médium Yvonne do Amaral Pereira, nascida em Valença, RJ, no ano de 1900, com o titulo Memórias de Um Suicida (FEB, 1955, 568 páginas, ditado pelos espíritos de León Denis e Camilo Castelo Branco).

Afeita ás coisas espirituais, pois havia frequentado as Federações Espíritas onde se assemelhava ao personagem Carmem Lúcia que ilustrou uma de minhas crônicas, Nancy Veríssimo agora descansava naquela cama de Hospital na Colônia. Olhava e via tudo à sua volta igualzinho ao que era aqui na Terra. Enfermeiras, cordiais e solícitas a atendiam. Permanecia ali há oito dias e o que ela fazia era só dormir. Não tinha ânimo para nada. Mas ela tinha um sono tranquilo daqueles que o indivíduo dorme placidamente e quanto mais dorme mais vontade tem de dormir.

No nono dia ela finalmente acordou bem mais disposta. Fome, sede e vontade de fazer suas necessidades fisiológicas deixaram-na perplexa. Imaginava que depois de morta àquelas práticas toscamente materiais, não mais a atormentariam.  Que uma vez desencarnada não necessitava de nada disso. Que comer era coisa de humano materializado.

- O banheiro é logo ali, tome seu banho que depois traremos um prato de sopa para você! -, disse-lhe uma enfermeira.

Foi ao banheiro e pode notar a presença de pia, torneira, banheira, bacia sanitária e outros acessórios encontrados em qualquer banheiro material. Tomou banho e depois observou que em um cabide ao seu lado estavam as mesmas roupas que ela costumava vestir aqui na terra. Não entendeu nada, mas ficou quieta. Ela estava em processo de adaptação e era comum que não entendesse tudo mesmo. Ajustar-se-ia aos costumes de sua nova morada à maneira que os dias fossem passando. Banho tomado retornou ao seu quarto e ao se dirigir à cama para deitar-se pode verificar que na cabeceira, sobre um criado mudo, estava o livro que ela lia aqui na terra no momento do desencarne: “Evolução em Dois Mundos”, ditado pelo espírito André Luiz a Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.

         - Irmã Nancy, aqui está a sopa. Procure se alimentar bem por que isto vai ajudar na sua recuperação. A senhora tem dormido muito por estar fraca!

         - Enfermeira...

         - Pois não!

         - Não estou conseguindo ser discreta. Muitas dúvidas pairam-me à cabeça!

         - Estamos aqui para servi-la... Do que se trata?

         - São as minhas necessidades...

         - O que tem as suas necessidades?

         - Entendo que se estou morta elas deviam ter ficado lá na terra. Não é assim?

         - Não, irmã. Não é e tampouco pode ser assim!

         - E por que não? Qual é, então, a diferença de eu ter morrido ou continuado viva?

         - Hoje, respondeu-lhe a enfermeira, talvez nenhuma, visto que poucos conseguem se desvencilhar das amarras que os prendem à matéria densa. Indispensável se faz que aqui tenham um trabalho de aclimatação para que aos poucos se acostumem à nova vida... Todos nós que aqui habitamos temos de passar antes por este estágio. É absolutamente natural!

Nancy tomou a sopa e dentro de alguns instantes a reação natural dos intestinos levou-a de volta ao banheiro. Evacuou, normalmente. Ao retornar, mais fortinha e refeita encostou-se à cama e pegou o livro de André para ler. Não demorou muito e eis que ela chega à segunda parte do livro, onde se revela uma série de perguntas e respostas dirigidas ao autor espiritual, tratando de temas, como por exemplo, o sexo e a alimentação entre os desencarnados, o divórcio dos espíritos nos dois planos de existência, o aborto, as expiações, etc.

         - Meu Deus “do Céu!”, exclamou Nancy. Será que isto é possível? Quantas vezes eu li este livro lá embaixo sem jamais entender? Por quais razões tudo isto agora me soa tão claro? O André Luiz pela Psicografia de Chico e Waldo transcreveu fielmente o  que é a vida em outros Planos. Eu que não tive esclarecimento suficiente para captar e entender.

         - Viu, agora? – disse-lhe a enfermeira desencarnada que cuidava dela – a senhora já está começando a notar a diferença do pós-morte. Enquanto seu espírito habitava a matéria densa só lhe era permitido ver aquilo que seus olhos materiais alcançavam e que estava a sua volta. Aqui não... A senhora já começa a ver pelos olhos do espírito e a vastidão que eles penetram é infinita. Não se mudou nenhuma vírgula do que está no livro, o que mudou foi o seu estágio de encarnada para desencarnada e nesta etapa podemos lhe dizer que muitas outras surpresas a senhora ainda terá.

         Para que aquela irmã enfermeira, quase anjo, falou aquilo? Mal fechou a boca e Nancy com o seu açodamento terreno iniciou seu espetáculo.

         - Quero aprender mais. Quero visitar a terra e outros Planetas. Quero Passear por esta Colônia. Quero voar, volitar vertical e horizontalmente... Quero ser Anjo... Quero ser mais que você... Quero... Que...

         - Acalme-se, irmã, interrompeu-lhe a enfermeira -, tudo aqui em seu tempo e hora. Não pulamos etapas. Seguimos pacientemente o cronograma que nos é traçado pela Alta Direção.

E por que Nancy, não obstante seus trinta janeiros terrenos, chorasse, esperneando-se ao chão qual criança birrenta em calundu, àqueles amáveis Bem-feitores tiveram que interceder.

         - Mais o que é isso? Onde é que a senhora pensa que está? Tudo bem que a senhora ainda não tenha a total consciência de seu estado atual, mais daí a se comportar como criança malcriada já é outra coisa. Está vendo aquele chicotinho de couro pendurado na parede? Pois é... Comporte-se, senão teremos que utiliza-lo!

         Olhou, de soslaio, e viu. Sem querer acreditar, lá estava o danadinho.

         Puxa vida... Os caras pensam em tudo mesmo. Plasmaram ali até mesmo o chicotinho com o qual sua mãezinha a amedrontava no ambiente familiar terreno quando em criança fazia suas estripulias.

E ainda acrescentaram:

         - Diabos... A senhora acaba de entrar no ônibus e já quer se sentar na janelinha?

Fraternal abraço.

* Enoque Alves Rodrigues é Espírita

Vejam como terminou esse conto no próximo capitulo.