*Enoque Alves Rodrigues
Gedeão estava em idade longeva. Fora durante toda a sua existência um sujeito dedicado ao trabalho, à família e a sociedade onde se inseria mediante ações relevantes todas elas voltadas para a filantropia. Desde a mais tenra idade jamais palmilhou outros sendeiros que não fossem os que levam sempre ao bem comum. Preocupava-se inteiramente com a situação de seus semelhantes principalmente no que se referiam aos menos favorecidos pela sorte. Tarsila, sua doce e devotada esposa era também um exemplo a ser seguido. Apesar de vir de uma estirpe familiar extremamente bem conceituada socioe-conomicamente, conseguira transitar por todas as etapas da vida sem se deixar deslumbrar pela riqueza fácil. Muito bonita, jamais se deixou levar pela vaidade. Prendada e servil, aquele divino ser, conseguia levar sua vida com a maior dignidade possível e muitas eram as moças que nela se espelhavam. Assim como o marido Gedeão, também envelhecera.
Eram frequentadores de determinado Centro Espírita, aliás, famoso, na cidade de Araxá, Minas Gerais. Prestavam ali suas respectivas colaborações, sendo que Gedeão atendia na área de aconselhamentos enquanto que Tarsila era Médium Passista. Transmitia passes magnéticos aos necessitados com a imposição das mãos.
O amigo Gedeão cumpria aqui na terra, Planeta de expiações e provas, sua quarta encarnação ao passo que Tarsila vivia a quinta encarnação.
Qualquer um que não tivesse um pouquinho que seja de noção a respeito da pluralidade dos mundos, ou dos conceitos básicos do espiritismo, seria capaz de afirmar com todas as letras que aqueles dois pombinhos já estavam “mais que salvos”, ou como se diz na gíria popular, “de tão bons que eram não podiam nem erguer ás mãos ao alto por que Jesus os puxaria”.
Só que conforme eu mencionei em meu conto de ontem, a coisa não é bem assim. Aos que há muito tempo me acompanham sabem que me expresso em linguajar simples que ás vezes beira o chulo no intuito de me fazer entender melhor. Eu não tenho nenhum compromisso com a arte do bem escrever, mas sim, do bem entender. Assim sendo, afirmo o seguinte.
Muitas vezes aqueles que são exemplos a serem seguidos são exatamente os que mais sofrem. Muitos dos que aqui são bons extremados seguramente que foram maus em pretéritos distantes. Tanto lá como cá na presente e atual encarnação, eles nada foram além do que teriam que ser. Tanto lá, como aqui, eles estavam e estão simplesmente cumprindo o que lhes fora determinado pelo Plano Superior. Todos os fardos que nos são colocados ás costas pelos “Caras lá de Cima” estão integralmente vinculados aos nossos débitos que contraímos no passado. Assim sendo, meus queridos amigos e diletos Confrades de doutrina, partindo dessas premissas temos que admitir que não existem perante as infalíveis e imparciais Leis do Criador, criaturas boas ou más. Todos nós somos iguais. Temos somente a impressão de melhor ou pior devido à quantidade de encarnações. Não foi sem motivo que Jesus, O Cristo Filho de Deus pronunciou esta frase á Nicodemos:
"Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (João 3:3).
Pois é.
O casal de meu conto de hoje não podia fugir à regra. Era chegada a hora da despedida dos entes queridos no ambiente terreno para depois nascerem de novo. Para isso, claro, tinham que antes morrer. No entanto ninguém morre sem uma justificativa. Sim, por que não há morte sem dor e toda dor tem que ter obrigatoriamente uma causa. Ou não é assim!
Gedeão foi ceifado quando apanhava café. Sem motivo aparente caiu da colheitadeira batendo com a cabeça. Tarsila, dois dias depois, também regressava à Pátria Espiritual depois de uma forte dor de cabeça.
Lá no Alto uma Plêiade de Espíritos que tinham a Frente como Líder Adamastor Gerânio que havia sido médico renomado aqui na terra em encarnações passadas, confabulavam:
- Mestre, por que razão estes nossos dois irmãos possuem vestimentas semelhantes ás nossas que aqui estamos a longos anos, não obstante eles terem chegado recentemente da terra?
- Simples, respondeu-lhes Adamastor, o mestre, - Eles já cumpriram com suas missões lá em baixo nesta etapa. Por isso atingiram o nosso estágio! Hoje eles estão em igualdade de condições que nós em termos reencarnatórios.
- Mestre...
- Pois não, meu bom Edmundo, fala!
- Quanto a nós. Como ficamos?
- Não ficamos, respondeu bondoso, o líder Adamastor.
- Preparem-se. É chegada a nossa vez de reencarnarmos. Temos ainda muitas contas para acertarmos com o nosso passado. Nós vamos descer!
- Mais, Mestre... Deve estar havendo algum engano... Nós não somos anjos?
- Não. Respondeu taxativo o Líder Adamastor. – Nós somos pecadores. Se aqui continuarmos jamais sairemos dessa condição. Vamos descer logo!
- Você vem de quantas encarnações meu bom Edmundo?
- Trezentas Mestre!
- Pois é. Eu já passei por quatrocentas encarnações. Veja onde ainda estou. E arrematou:
- por baixo, imagino que ainda nos faltam mais quatrocentas encarnações na terra para que possamos ser considerados espíritos puros cuja camada vibratória se encontra distante da nossa por vários bilhões de anos luz e estes, os espíritos puros, estão a inúmeros trilhões de anos luz de distância da localidade onde vibram os anjos. Por isso, amigão, esqueça esse negócio de anjo e vamos descer imediatamente por que senão daqui a três segundos o tobogã da oportunidade reencarnatória na terra fecha e aí, meu nego, só daqui ha mais duzentos anos...
- É isso o que você quer?
Depois dessa. Esperar o que!
Desceram e ainda estão entre nós, passando pelas mesmas provações e traumas que a presente encarnação nos oferece. Aguardam, calmamente, o dia de um novo acerto de contas com seus pretéritos. Pois a fila anda e a vida tem que continuar.
Tomou?
E tenho dito
*O autor é espírita e frequenta a FEESP.