LINHAS CRUZADAS VII - VOCÊ É ESPÍRITA? – PARTE FINAL
Verídico
*Enoque Alves Rodrigues.
Apesar de minhas preocupações com as dificuldades que viria a enfrentar nos testes de avaliação de conhecimentos, práticos e teóricos, acabei por realiza-los com certa tranquilidade, de maneira que ao preencher a última folha daquele calhamaço eu já tinha certeza de que seria aprovado. Lembrando que na época a qual me refiro todo e qualquer profissional, independente do tempo em que exercia sua atividade, era, implacavelmente, avaliado através de testes práticos e teóricos.
Ás 14h30 soou a campainha de um velho despertador que estava ali a minha frente sem que eu antes tivesse percebido sua verdadeira finalidade. Por que imediatamente após o seu tilintar, a mesma jovem que agora eu sabia se chamar Adalgisa, ás pressas, adentrou a Sala, e, aos berros, gritava, “acabou o tempo, devolva o teste,” arrancando aquela “resma” de minhas mãos, evaporando-se por aquele labirinto sem fim, demarcado por divisórias que iam até o teto. Uma hora depois retornava acompanhada por um senhor de bigodes, que se apresentou como Jaime, Engenheiro Coordenador. Saudou-me estendendo a mão seguida da frase: “Bem-vindo a nossa empresa meu jovem apontador. Você se saiu muito bem nos testes, mas ainda temos que conversar um pouco antes de lhe encaminhar para os exames de saúde ocupacional.”.
- Pois não, respondi-lhe, muito obrigado!
- Não me agradeça, disse-me o Engenheiro Jaime, até por que mesmo você tendo passado nos testes não quer dizer que será contratado!
- Jesus! O que era aquilo? Outra vez questionariam o meu credo?
- Pode me acompanhar, por favor?
- Pois não!
Ali mesmo ele dispensou a jovem do Recrutamento e depois de atravessarmos todo aquele emaranhado de saletas eis que ele para em frente a uma porta e com sua chave abre-a.
- Pode entrar...
- Entrei.
Sem qualquer rodeio, nem mesmo havia me sentado, ele foi logo falando:
- Você demonstra possuir todas as credenciais de que necessito. Um apontador jovem, de pouco falar e com pouca experiência para eu moldar dentro da necessidade desta empresa... Há, no entanto, um problema que vamos ter de solucionar antes!
Sempre fui seguro do que quero e jamais deixei de falar o que penso. Até mesmo em momentos dificílimos onde contemporizar maquiando a verdade era quase que uma situação natural. Nunca deixei de ser eu mesmo para agradar a quem quer que seja ou para obter alguma coisa. Se ser assim é bom ou ruim não me cabe avaliar. O certo é que não me recordo de ter tido grandes perdas por ser desse jeito. Talvez perdas irrecuperáveis como as vinculadas á consciência eu teria se assim não fosse. Foi por isto que ao ouvir pela segunda vez a palavra “problema”, reagi incontinente.
- Estou aqui, encaminhado que fui para ocupar uma vaga de apontador e esta é a segunda vez que ouço a palavra “problema.”. Se em tão pouquíssimo tempo em que aqui estou lhes causei motivos suficientes para que a utilizem redundantemente é porque não estou á altura da pessoa que a empresa busca e, sendo assim, peço também ao senhor me devolver o meu documento.
- Acalme-se, Vamos conversar. Você é muito jovem... Com a cabeça ainda cheia de ilusões... Você tem de saber que vive em um mundo material e que se não trabalhar vai morrer de fome... Religião não dá camisa para ninguém... Em toda e qualquer Religião só quem se dá bem é o Pastor. É o chefe!
Não precisava ele me dizer mais nada. Já sabia sobre o que falaria.
- Pelo que vejo o senhor não está buscando um profissional, mas alguém sem Deus. É isso?
E ele, asperamente, retrucou:
- Não. Não é isso. Então você está me dizendo que só tem Deus quem tem Religião?
Raciocinei um pouco mais, e lhe respondi:
- Não, meu senhor... Estou lhe afirmando exatamente o contrário: “Só tem Religião quem tem Deus por que Ele está acima de todas as coisas inclusive acima de toda e qualquer Religião.”. O senhor me entendeu?
- Não entendi, mas isto também não me interessa. O que “está pegando aqui”, - disse-me ele, apontando para a ficha de solicitação de emprego, - é a sua Religião. Modifique-a e considere-se contratado. Tenha em conta que você vai ganhar o dobro do que você ganha hoje e que terá uma profissão muito boa. Você vai crescer muito aqui...
“Humildade, paciência, tolerância e equilíbrio em todos os momentos de sua vida!”. Foi esta a frase que o amado Chico me disse ao nos despedirmos lá em Uberaba. Ela, como um relâmpago, veio-me à mente e muito contribuiu com a resposta que eu daria, pois, não obstante desejar naquele momento manda-lo ás favas, suavemente, respondi.
- Obrigado senhor Jaime, mas, efetivamente me sinto muito abaixo das qualificações que o cargo que o senhor está oferecendo requer.
- Olhou-me fixamente e disparou. Se eu lhe contratar, você jura que não vai falar de espiritismo aqui?
- Não preciso jurar para cumprir o que prometo. Não é do meu feitio falar sobre Religião. Já falei lá no Recrutamento que a minha Crença diz respeito somente a mim e a Deus. Só que eu jamais a negarei. Se não tivesse nesta ficha o espaço reservado a esse tema o qual preenchi e preencherei quantas vezes forem necessárias, vocês jamais saberiam que sou Espírita. Aliás, fique tranquilo... Nós Espíritas não cometemos proselitismo religioso. A nossa crença em um Mundo inteiramente evoluído onde somente os bons espíritos habitam e a certeza de que para habita-lo um dia, temos de praticar aqui na Terra as boas ações e exemplos claros de amor ao próximo, sem nos utilizarmos de falsas e bonitas palavras, já nos são suficientes!
- Vocês usam Bíblia?
- Sim. Nós lemos a Bíblia “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.
- Vocês queimam incensos?
- Não!
- Recebem o Santo?
- Não. Só Deus!
- Bebem cachaça?
- Não. Só água!
- Fumam charutos?
- Não. Particularmente jamais fumei!
- Vocês matam galinha preta e colocam com vela em despachos nas encruzilhadas?
- Não. Não matamos e não colocamos nada em encruzilhadas alguma!
- Vocês cobram e pagam aquele negócio chamado “dízimo?”.
- Não... Não cobramos e não pagamos, mas nada temos contra aqueles que o fazem!
- “Onoque”, a vaga é sua e se você cumprir o que está me prometendo eu também lhe prometo que nunca mais alguém aqui vai lhe “encher o saco” com essas perguntas. Após corrigir lhe sobre a verdadeira grafia do meu nome, respondi.
- Espere um pouco. Não estou prometendo nada para o senhor! Apenas respondi as vossas perguntas sobre o que não fazemos. Mas que não paire qualquer dúvida: “Eu sou Espírita.”.
- Disso eu já sei diabo! Você já me falou. Não necessita ficar repetindo... Mas não precisa a empresa toda saber! A menos que te perguntem e como eu já lhe disse, ninguém aqui vai te perguntar sobre Religião. Tá bom assim pra você?
Fui contratado por aquela empresa “CBH Engenharia e Comércio S/A” onde permaneci por oito anos. Ali retomei os meus estudos. Naquele lugar abençoado tive a oportunidade de ver muitos se declararem “espíritas,”, inclusive Josué, o chefe do Recrutamento, sua funcionária Adalgisa e, pasmem, até o Engenheiro Jaime. Quase todos naquela empresa, alguns anos depois, viviam e agiam como “espíritas” e, perguntados, assim se definiam.
Tudo isto, que bom, sem que eu fizesse qualquer esforço. Sem que eu tivesse de abrir a boca. De repente, quem sabe, minhas tímidas e modestas atitudes falaram por mim. Eles, assim como eu foram chamados ao Espiritismo pelo amor.
Viva Jesus!
Fraternal abraço.
* Enoque Alves Rodrigues “é Espírita".