CONVERSA NO ALÉM VII - CARMEN LUCIA

CONVERSA NO ALÉM VII - CARMEN LUCIA

Conto Espírita

*Enoque Alves Rodrigues

Nós espíritas aprendemos que o Fluido Cósmico Universal é uma matéria primitiva e que suas transformações constituem a variedade infinita dos corpos que compõem a Natureza, onde os princípios elementares se classificam em eterização e materialização. O fluido é o plasma Divino, ou seja, é a força máxima do Todo Poderoso em cujo eixo gira todos os Planetas, constelações, sóis e galáxias que gravitam em torno do Universo. É no fluido universal que se encontra o principio da vida, encarnada ou desencarnada, neste e em todos os demais Mundos. Dessa forma conclui-se que o fluido universal simples compõem os espíritos puros já o fluido universal condensado constitui o perispírito que nada mais é senão o invólucro semi material ou vestimenta do espírito e se situa entre a matéria e o espírito que ele protege como se fosse outra roupagem igual a material.

Carmem Lúcia estava muito deslumbrada com o que vinha assimilando no Curso de Espiritismo que estava sendo ministrado por aquela Federação Espírita. Solveu de uma só vez todos os livros que resumem as obras básicas do espiritismo com ênfase no “Livro dos Espíritos”, “A Gênese” e “O Evangelho Segundo o Espiritismo” de Allan Kardec. Agora estava ela devorando a “Evolução em Dois Mundos”, “Entre a Terra e o Céu” e “Nosso Lar” de André Luiz, psicografados por Chico Xavier. Os Instrutores não tinham sossego. Quando menos esperavam Carmem os interrompia em meio a uma explanação, bombardeando-os de perguntas as mais diversas possíveis. Eles adoravam. Em espiritismo é assim: quanto mais os leigos se interessam por determinado tema, mais nos sentimos felizes e motivados a explana-lo com a certeza de que estamos nos fazendo entender na arte de difundirmos com zelo e devoção, as páginas da terceira revelação.

         O entusiasmo de Carmem Lúcia era tão grande que mesmo em sono, altas horas da noite, se levantava para se certificar sobre passagens ou questões que lhes escaparam no estudo da doutrina durante o dia. Aquela irmã tinha tudo para ser um grande exemplo a ser seguido aqui na terra por todo aquele que desejasse se tornar um bom espírita.

         Mas, quem foi que disse que nós pressentimos quando seremos chamados? Deus, o Criador de tudo, até nisso se ocupou. A fim de nos preservar de recordações passadas que poderiam prejudicar a encarnação atual aboliu de nossas mentes quaisquer reminiscências que pudessem nos colocar defronte as nossas outras vidas, assim como nos retirou, enquanto espíritos simples, o dom do pressentimento de nosso desencarne. Desse jeito ninguém é capaz de prever a própria morte. Com a amiguinha que ilustra minha crônica deste fim de semana não poderia ser diferente.

         Assim sendo, “sem mais nem menos” deitou viva e “acordou” morta lá do outro lado. Quando recobrou os sentidos imaginou que agora, espírito poria em prática tudo que havia aprendido aqui em baixo. Quantos experimentos ela agora poderia fazer? Testaria à veracidade de tudo aquilo que lhe fora passado pelos instrutores. Será?

         - Fui designado para ser seu guia aqui nestas paragens enquanto a senhora se refaz, disse-lhe o Anjo Porfírio.

         - Me refazer do que? Não estou doente. Aliás, vocês me surpreenderam ao trazer-me para cá quando vivia o meu melhor momento... Vendia saúde lá na Terra... Não sei o porquê me arrastaram para cá agora... Lá eu estava me preparando na doutrina... Lia atentamente as Obras Básicas do Espiritismo... E sem qualquer aviso vocês me puxaram...

         - Temos que ser vigilantes, minha irmã. Exatamente por não sabermos quando é chegada a nossa hora!

         - O senhor fala isso por que “nunca morreu!”. É muito fácil conjecturar quando não se conhece a dor amarga da morte. É o mesmo que se fala lá na Terra: “pimenta nos olhos dos outros é colírio!”.

         - Engana-se, querida irmã. Exceto Deus que é a Força Primária de todas as Coisas, todos nós que aqui estamos já morremos um dia, e reencarnamos várias vezes. Deus é tão Justo que não poupou nem mesmo Seu Filho Jesus que passou por morte violenta, crucificado que foi por vocês no Calvário!

         - Eu não crucifiquei ninguém! Sempre ouvi essa balela lá em baixo, mas nunca a entendi...

         - A senhora se engana mais uma vez!

         - E por quê?

         - De onde é que a senhora vem?

         - Da Terra, claro... De onde mais seria!

         - Perfeito. Obrigado!

E por que o anjo permaneceu calado, Carmem Lúcia cutucou...

         - Ih!

         - Deixemos como está! Disse-lhe o anjo.

         - Faltam-lhe argumentos?

         - Não. Absolutamente...

         - Falta á senhora ainda alguns esclarecimentos para entender que a Terra é um Planeta de Expiações e Provas e que todos os que nela habitam são pecadores pelos quais Jesus morreu na cruz. Desse jeito direta ou indiretamente todos O mataram. Mas entendo que é muito cedo ainda para a senhora se convencer disso. Eu por exemplo, passei por “oitenta” encarnações e só na atual é que tive essa consciência.

         Surpresa, sabedora de que existem erraticidades que duram séculos, Carmem Lúcia ainda teve fôlego para perguntar.

         - O que é que vossa pessoa faz aqui? Qual é o seu cargo nesta hierarquia? Você é o mandatário?

         Pensava ela tratar-se de algum chefão. Como todo bom Brasileiro, solicitaria um jeitinho de lhe aliviar alguma coisa.

         - Sou peão, disse-lhe o anjo. - Minhas atribuições aqui consistem em colaborar com os que abandonam o corpo físico no momento de seus desencarnes lá na Terra. Resumindo: sou “um parteiro” do espírito, pois enquanto os parteiros terrenos acolhem o feto físico em seu nascimento eu, ao contrário, o assisto na desencarnação quando amparo o espirito que está nascendo para uma nova vida!

         - Cruz, credo... Encarnar e desencarnar tantas vezes para fazer só isso?

         - E a senhora acha pouco?

         - Acho!

         - Pois não devia...

         - E por quê?

         - Explico: O parteiro que ajudou vossa mãe a pô-la no mundo, a senhora conheceu?

         - Não!

         - Porventura ele a guiou alguma vez?

         - Não!

         - Então não é a mesma coisa. Fique á senhora sabendo que desde o seu desencarne onde lhe assisti até o dia que entenderem oportuno para sua reencarnação, salientando que esse processo pode durar séculos, eu estarei com a senhora. Tenho a incumbência de guia-la para que a senhora seja devidamente preparada até aquele grande momento, quando, ai sim, lhe devolverei de volta ao parteiro terrestre, que depois de lhe arrancar das entranhas de sua nova mãe, ali lhe deixará para que siga seu novo caminho.

         E acrescentou...

         - Ainda acha isso pouco?

         Carmem Lúcia, envergonhada, baixou a cabeça, olhou para os lados, pigarreou e depois de entortar a boca, sussurrou...

         - Acho, não, “seu” anjo.  Vossa pessoa trabalha muito, demais da conta, sô... Nem vou lhe pedir o favorzinho que eu pretendia!

Fraternal abraço.

*Enoque Alves Rodrigues é espírita.