CONVERSA NO ALÉM XXVII - EUTANÁSIA DA SILVA
Conto Espírita
*Enoque Alves Rodrigues
Ela vivia na mais absoluta pobreza material. Para complicar, acabara de perder a santa mãezinha á quem ela amava. O pai de há muito havia partido para o Além. Quanto ao marido e filhos foram embora com outra. Agora vinha também aquela dorzinha chata nas costelas. Era um câncer. Meu Deus, dizia ela, o que mais de ruim tem para me acontecer?
Não há nada que de tão bom não possa melhorar e de tão ruim que não possa piorar, já dizia o poeta. Mas ela seguramente desconhecia essa máxima. Por isso andava preocupada e lamentosa. De longe, muito longe, já podia ver que o seu estado físico era mesmo deplorável. De tanto reclamar, pessoas com as quais antes convivia, passaram a evita-la. Fugiam dela. Elas não queriam ser “puxadas para baixo”. Você já notou que as pessoas tendem a aceitar com muito mais naturalidade aqueles que se apresentam com um astral mais elevado independente de suas condições socioeconômicas ou vestimentas físicas? Pois é. Eutanásia, realmente naquelas condições não atraia ninguém. Ao contrário, afugentava.
Foi por isso que, num misto de frustração e desespero, resolveu instituir para si própria, uma regrinha básica que consistia em realizar em sua vida uma mudança radical em todos os patamares. Prometeu para ela mesma que se submetia aquelas premissas a fim de levar a efeito os seus objetivos que por certo a arrebatariam a um novo “modus vivendi”. Ela não havia nascido para perder. Ela era uma vencedora. Aquela fase ruim não fora provocada por ela. Aquilo era transitório, assim como tudo na vida. Não reclamaria mais. Até ai, beleza.
Sairia Eutanásia do atoleiro? Ela seria forte o suficiente para superar obstáculos? É o que veremos adiante.
Certa noite Eutanásia deitou-se, mas não conseguiu conciliar o sono. Amanheceu com os mesmos pensamentos negativos que antes tivera. Tudo de bom e positivo que havia programado parecia demasiado longe. Mergulhou-se numa profunda e irreversível depressão. Perdera inteiramente a vontade de viver. Não tinha mais nenhuma motivação para isso. Viver havia se tornado para ela um verdadeiro calvário. O seu fim parecia aproximar-se. Ela jogou a toalha. Viver pra que?
Sendo assim, bem, já que ela ia morrer que pelo menos fosse sem dor. E bem rápido.
Aquele divino ser, que até pouco tempo antes labutava em busca de melhores condições de vida se achava, agora, quem diria, maquinando a melhor forma de perdê-la. A vida pensava ela, não tinha mais sentido. Sendo assim...
A princípio pensou numa corda com uma boa e confortável atadura capaz de fechar e comprimir rapidamente o pescoço ao impacto do corpo inerte e suspenso. Destarte, descartou essa possibilidade por pensar no sofrimento que esta atitude lhe traria, caso não lograsse êxito em seu intento. Preocupava-se com o baixo peso de seu corpo que talvez não fosse suficiente para aniquilar as carótidas. A dor da “não morte” seria insuportável.
Cortaria, então, os pulsos. E se as lâminas não rompessem a pele dura, não atingissem os vasos? Bem, nesse caso, daria um tiro no ouvido e pronto! Mas, espere ai, e se a arma picotar? Uai, isso só seria mais uma frustração e no caso dela, do que adiantaria uma feridinha a mais no corpanzil de uma lazarenta? Até ai, tudo bem. Mas ela queria mesmo era morrer. E se a bala não atingisse órgãos vitais? Ficaria sofrendo, entrevada, em uma cama? Caso positivo: quem cuidaria dela? Ela queria sumir do mundo sem pagar pedágio. Ela queria morrer, mas não queria sentir dor. Há pessoas assim. Passam toda uma encarnação acomodada e depois querem obter aquilo que não fizeram por merecer. Não tiveram a preocupação de resgatarem seus débitos para com o pretérito e ainda querem deixar o veículo físico saindo “à francesa.”. Assim fica difícil.
Enquanto isso uma plêiade de Benfeitores Espirituais a observava ha muito tempo. Aqueles Espíritos Puros e Iluminados foram enviados em socorro a nossa amiguinha Eutanásia da Silva, tão logo os “Caras lá de Cima” perceberam que ela passaria os pés pelas mãos. Que ela ia fazer uma besteira. Foi por isso que aqueles anjos ali estavam estrategicamente. Eles cumpriam ordens Superiores. Do mais além. Vieram para orienta-la. Não. Eles não vieram para ampara-la. Eles não eram “carregadores”. Então, sem chances, ela não iria morrer.
O chefe daquela equipe cujo nome era Donato começou a ficar intrigado. Ele não conseguia entender o porquê alguém à beira do suicídio se preocupava com fatos tão banais como o de não querer sentir dor, por exemplo. Há provação maior que o pensamento do suicídio? É possível, considerando todas as reprovações inquestionáveis ao pior dos gestos de covardia que alguém possa cometer, que nem mesmo a dor física da morte doa tanto como a dor psicológica que levou o individuo a esta extrema e tresloucada atitude? E pensar que tudo isso não representa nem mesmo o começo de um terrível e infinito sofrimento. Sim, por que enquanto o suicida põe fim à existência física, a espiritual está livre e incólume, padecendo as consequências deste ato em outros planos ou mesmo na própria crosta terrestre.
Ela por fim se decidiu. O melhor mesmo era o enforcamento. Subiu num tamborete e passou o pescocinho pelo elo da corda.
- Chefe, disse um dos espíritos em condição subalterna.
- Pois não. O que você tem a me dizer, Gerôncio?
- Piedade, chefe. Interrompa-a, por favor... Ela vai se matar!
- Vai não, sô, disse-lhe o chefe. Ela não tem coragem para isso. Vacilou todas ás vezes e jamais conseguiu levar adiante os seus intentos. Ela sabe o que a espera lá do outro lado.
- Chefe!
- Fala meu bom Gerôncio.
- Nunca a vimos tão determinada!
- Bobagem. Fique tranquilo, meu Caro. Não há, no histórico familiar de nossa irmã, no Plano Superior, nada relacionado a suicídio. Vamos apenas observar o que ela pretende fazer. Mas por favor, afaste toda e qualquer hipótese de suicídio. Ela não é capaz.
Depois de passar dez longos minutos naquela incomoda posição, Eutanásia, meio que desconfiada, pois tinha a sensação de que estava sendo observada, olhou para os lados e, ao ver que ninguém a vigiava, timidamente desatou o nó da corda, desceu do tamborete e retornou aos seus afazeres domésticos. Ela, por si só, se convenceu de que as tarefas do dia a dia assim como todas as dificuldades inerentes a sua existência física eram muito pequenas e insignificantes diante de uma simples e vazia vontade de se suicidar. Compreendeu, que apesar de todos os percalços e provas, que a vida nos impõe, que nada justificaria a dor da morte física, quanto mais á dor e atribulações do suicida em uma nova vida no Plano Espiritual, além da decepção de que na verdade, não morreu. Está mais vivo que nunca.
Por quê?
É depois que se morre que tudo começa. Inclusive uma nova vida que poderá ser boa ou ruim, dependendo de como você conseguiu administrar os dissabores e obstáculos aqui em baixo, nesta atual existência em um mundo chamado Planeta Terra de expiações e provas.
Ainda bem que Eutanásia da Silva percebeu a tempo.
Fraternal abraço.
* Enoque Alves Rodrigues é Espírita