LINHAS CRUZADAS III – LEONÉL E CHICO

LINHAS CRUZADAS III – LEONÉL E CHICO

Verídico.

Enoque Alves Rodrigues

Em 1972 compartilhava o alojamento da Mendes Junior com vários peões da obra de execução da Usina de Volta Grande na divisa de Minas com São Paulo. Leonel do Amparo de Castro era mais um companheiro de quarto a quem eu havia confidenciado as revelações que me foram feitas pelo amado Médium Chico Xavier em Uberaba alguns dias antes, em nosso primeiro encontro. (COMO ME TORNEI ESPÍRITA? – DEPOIMENTO VERÍDICO), publicado em vários blogs há muitos anos, está registrado com riqueza de pormenores este encontro.

Leonel, cético até a medula e seco de nascença, quiçá, abusando de seus quase dois metros de altura distribuídos por circunferência avantajada e idade muito superior á minha, apontou-me o dedão na cara e disparou: “você está ficando louco?”. “Eu acho que a sua mudança de turno do dia para a noite lhe afetou o cérebro!”. “Você precisa trocar o óleo, pois parece que a coisa está subindo á sua cabeça!”. ”Depois de morrer, já era, ninguém volta mais aqui. Enterrou tá enterrado e fim de papo!”. “Pare com isto senão eu mesmo vou falar para o Mestre Coutinho (Jersey Cabral Coutinho) lhe demitir antes que você enlouqueça de uma vez e nos cause maiores problemas!”.

Puxa vida, como é que eu ia imaginar que uma simples conversa informal no refeitório enquanto almoçávamos poderia causar toda aquela reação? Os tempos eram outros e o tema por si só já era suficientemente polêmico. Uma palavrinha mal colocada bastava para entornar o caldo de vez e deixar qualquer um com os nervos á flor da pele. Pronto para dar o bote. Eu era leigo no assunto e, pelo menos naquele momento, recuaria.

Dez dias depois daquela conversa, ao recebermos os salários do mês, como sempre faziam os que trabalhávamos no turno da noite, nos dirigimos para Uberaba onde a turma se separava, pois eu ia ao correio mandar dinheiro para casa e de lá ao Centro Espirita, no Parque das Américas. Apenas na volta é que nós nos encontrávamos para pegar o ônibus. Naquele dia desci do ônibus e fui ao correio que ficava na Rua São Benedito. Quando a estava subindo, de volta, em direção a Casa da Prece, de Chico Xavier, dei de cara com Leonel que, intimidativo, me disse: “vou te acompanhar hoje a esse tal Centro de Chico Xavier. Quero ver até onde vai esta sua mentira!”.

- Uai, mas você não ia pra zona?

- Ia, mas não vou mais. Eu quero confirmar se isso que você diz deste Chico é verdade!

- Mas, desde que encerramos nossa conversa lá no refeitório eu não toquei mais no assunto... Também é a primeira vez que retorno á Uberaba.

- Pois é, mas eu tenho tido uns sonhos estranhos onde uma voz me ordena “vai lá e veja!”. Respondeu-me.

- Agora sou eu que lhe digo que é você que está ficando louco!

Chegamos, disse-lhe eu. A entrada é por aquele portão!

Entramos...

Naquele dia Waldo (Vieira) visitava Chico. Ao vê-lo, Leonel indagou-me:

- “É, aquele velho barbicha?”.

- Não. Não é aquele senhor, e modere o seu linguajar por que aqui você não está na Obra, respondi-lhe.

- Tá bom!

Nesse entrementes eis que depois de se despedir do doutor Waldo, surge, sorridente o nosso Chico. Aquela era a segunda vez que ele me via, pois eu tinha estado com ele em nosso primeiro contato no mês de junho-72 e estávamos agora no mês de Julho-72, ou seja, um mês depois.

- Enoque, este seu “guarda costas” porventura se chama Leonel?

- É... É...

- Nã... Não, senhor... , respondi, gaguejando, surpreso. “Co... co... co... lega de quarto na obra!”.

- Entendo.

E fixando o olhar em Leonel, disse-lhe: Nem todas as provas que você busca estão ao alcance dos seus olhos. Deus não precisa nos provar nada para sabermos que Ele existe. Procure conter a sua reação frente ao invisível e evite afirmações negativas sobre fatos, cuja veracidade você ainda não teve a oportunidade de confirmar. Neste exato momento vejo ao seu lado um irmão recentemente desencarnado de nome Antonio Rezende de Castro, que deseja se comunicar rapidamente por que dispõe de curtíssima permissão, para mandar umas palavrinhas á esposa aflita, de nome Maria do Amparo de Castro... Você conhece essa senhora?

- Sim, conheço. É minha mãe e este ai que está ao lado do senhor é o meu pai, que eu sequer imaginava que tivesse morrido. Somos do norte e carta aqui nestes cafundós só chegam depois de trinta dias...

Lembro-me que Chico, piedoso, olhou para Leonel e na sequência apoiou o rosto sobre a mão em forma de concha enquanto que com a outra psicografava. Em fração de segundos lhe entregaram duas folhas de papel toda escrita á lápis ao passo que Chico continuava recebendo mensagens para outros irmãos que se encontravam na fila.

Leonel ao receber suas páginas pôs-se a chorar convulsivamente. A maneira que ia se aprofundando na leitura mais o seu pranto se acentuava. E ele transtornado corria de um lado para o outro. Desesperado, gritava:

- Eu não devia ter duvidado. Se eu não tivesse duvidado isto não teria acontecido. O que foram fazer com o meu pai... Como é que ninguém conseguiu evitar essa tragédia? Ele era tão alegre e brincalhão que ninguém jamais poderia imaginar que morreria dessa maneira...

Acalme-se, irmão. Temos de aceitar os desígnios de Deus! Disse-lhe uma irmã no fim da fila.

Dois dias depois de havermos estado com Chico em Uberaba o segurança dos alojamentos recolheu as cartas da caixa que ficava em frente ao ambulatório: uma delas estava endereçada á Leonel que ao abri-la assim se expressou: “Eu já sabia... Tá na carta que o homem de Uberaba me entregou. Morreu esmagado pelo trem... Já chorei tudo que tinha que chorar. Era o meu melhor amigo. Que Deus o tenha em Sua Santa glória!”.

Pediu demissão e viajou para confortar a mãe.

*Enoque Alves Rodrigues é espírita.