CONVERSA NO ALÉM V - O CHICOTINHO – FINAL
Conto Espírita
*Enoque Alves Rodrigues
Decorridos dez anos desde que Nancy havia chegado ali na Colônia São Clemente, agora estava recebendo dos amigos do Plano Superior, os treinamentos que lhe propiciariam maiores condições e por via de consequência melhores aprimoramentos de seu espírito as nuances da nova vida. Curiosidades ainda povoavam sua mente de menina moça agora quarentona, sim, porque se desencarnou com trinta anos e já estava lá há dez como já informei.
No entanto, os desejos agora eram moderados. Neste período entendeu que tudo que ela ali tinha e que pensava ser a continuidade do que possuía na terra na verdade era plasmado por espíritos evoluídos que assim agiam com o intuito de fazê-la sentir-se em casa. São providencias tomadas pelos seguidores do Divino Mestre que tem por princípio evitar que o recém desencarnado se choque com o seu novo estado. Assim sendo, as roupas, os livros e tudo que se assemelhavam aos seus pertences terrenos nada mais eram senão cópias.
Bem em frente à biblioteca havia um local baldio todo plano cuja denominação era “campo de volitar”. Era ali onde os instrutores espirituais davam aulas de volição aos recentemente chegados.
Volitar para os espíritos seria o mesmo que andar ou caminhar para nós ainda no plano terreno. É por isso que o seu aprendizado requer disciplina e assimilações precisas. Imaginemos uma criança em sua fase de engatinhar. Perfeito, é este o estado do espírito quando se vê recentemente desencarnado. Pensemos, agora, numa criança pondo-se de pé, segurando-se firmemente às mãos dos pais preparando-se para dar os primeiros passos. É exatamente assim que se encontram os espíritos ao iniciarem esse processo evolutivo. O que aconteceria caso os pais do pequeno terráqueo o soltasse sem que antes tivesse aprendido a caminhar? Pois é. Cairia ao chão, não é? O mesmo acontece com o espírito.
Volitar é a capacidade que os espíritos em adiantamento moral, desvinculados da matéria e seus prazeres adquirem de elevar-se do chão como se estivessem voando. Volita-se em quatro velocidades, pequena, média, alta e altíssima, horizontal ou verticalmente sendo que geralmente as duas primeiras velocidades são utilizadas na forma horizontal onde o espirito em gozo de liberdade como se estivesse a veranear observa toda a paisagem por baixo de si, enquanto que as duas últimas velocidades (alta e altíssima) são quando o espírito necessita se transportar á trabalho ou em missões em curtíssimo espaço de tempo e o faz quase que sempre na vertical onde a velocidade altíssima corresponde à mesma do pensamento. Conseguiu entender? Passemos adiante.
- Irmã Nancy, a senhora se sente preparada para iniciar a volição? Disse-lhe Cláudia sua instrutora.
- Acredito que sim! – respondeu Nancy. – Procurei assimilar todo o conteúdo do curso básico!
- Então, vamos lá!
Disse isso e se afastaram para tomar distância para decolar e depois plainar no ar. Cláudia, a instrutora tinha como função empurrar a aprendiz de volição. Não deu certo. Foi como um voo de galinha. Caiu alguns metros adiante. Chorando, reclamou...
- Mais eu fiz tudo certinho...
- Você se concentrou? Você pensou forte? Convenceu-se de sua vontade? Planejou suficientemente aonde desejava chegar?
- Não... Isso eu não fiz!
- Então, disse-lhe Cláudia, você não fez nada certo. Ao contrário, está tudo errado. E acrescentou.
- O pensamento é o fluido que move todo e qualquer espírito. O espirito é pensamento. O convencimento de sua vontade é o que determina sua trajetória, já o planejamento limita seu campo de pouso no destino permitindo que ele rompa todas as barreiras e no final aterrisse exatamente onde foi programado. É o mesmo que um avião lá na terra querer pousar em algum aeroporto sem um mapa de voo previamente programado.
- Pense forte. Vamos... Aonde você quer chegar?
- Quero pousar no cume daquele monte!
- Pense...
- Pensei!
- Vamos!
- Um... Dois e três...
Caiu de novo. Não conseguiu alçar voo. Faltava a Nancy alguma coisa. O que seria? A resposta estava logo ali, diante de ambas. Na prancheta onde o Anjo Teodoro fazia os apontamentos do que lia na mente de Nancy, constava registrado, que ao contrário do monte que se achava ali naquela colônia e que ela dizia querer atingir, sua vontade indicava que o que ela queria mesmo era se aterrissar na terra única localidade ainda proibida ao seu querer devido não estar preparada.
Espírito é pensamento. Ninguém consegue enganar o pensamento.
- Vamos, disse-lhe, Cláudia, sua tutora na colônia, - voltar à escola. A senhora ainda não está preparada para volitar. É possível que se machuque caso continue tentando. Muito trabalho ainda tem de realizar... Carece ainda de muitos bônus no campo do aprendizado... Só depois de a senhora passar pela avaliação de uma junta lá no Ministério do Auxílio é que saberemos de suas aptidões volitivas. Antes disso lhe recomendo muita prece e recolhimento.
Nancy, muito triste e desolada, olhou, de soslaio, o Anjo Teodoro que seguia, calmamente, com os seus apontamentos. Este, ao notar o olhar desdenhoso de Nancy, fez aquele gesto que nós mortais fazemos, que é quando queremos dizer a alguém que estamos atentos, ou que estamos de olho, que é quando abrimos os dois dedos, médio e indicador, que depois de leva-los aos nossos olhos os apontamos em direção a alguém.
Só que Nancy, um espírito em fase primitiva de adaptação ao Mundo Evolutivo, eivado, ainda, de vícios e maldades terrenas, estava “p” da vida com o Anjo “dedo-duro”. De maneira inesperada correspondeu aquele gesto Angelical da forma mais rude e grosseira possível mostrando o dedo médio da mão direita àquela Divindade que agora lhe sorria.
- A senhora não pode fazer isto! – Advertiu-lhe Cláudia. Por ventura a senhora se esqueceu do chicotinho pendurado na parede? O chefe disse que se fosse preciso o utilizaríamos. Vai se comportar? Sim ou não!
- Foi ele que começou. – Respondeu-lhe Nancy.
- Ele é um Anjo e está aqui para nos orientar!
- Então que ele aja como anjo.
- Mais é o que ele tem feito desde que aqui chegou. Apontou-lhe os olhos para lhe dizer que você podia avançar por que ele estava a lhe iluminar a mente!
- Foi isso o que ele disse naquele gesto?
- Foi!
Nancy agora era só lamento.
- Oh que capeta. Diabo dos infernos não foi o que eu tinha entendido... O que faço agora?
- Nada, sua mal criada... Boca suja... Vá chorar na pia, por que outra chance dessas só daqui a cem anos!
Fraternal abraço.
* Enoque Alves Rodrigues é Espírita
Saibam como começou essa história. Leiam “Conversa no Além IV – O Chicotinho.” ·.