CONVERSA NO ALÉM XXVIII - A ESCORREGADA DE MANDUCA

CONVERSA NO ALÉM XXVIII - A ESCORREGADA DE MANDUCA

Conto Espírita

*Enoque Alves Rodrigues

Ele estava levando uma vida muito difícil aqui na Terra. A cada dia que se passava sua situação só se fazia agravar em todos os aspectos. Descendia de família elitizada detentora de grandes fortunas materiais. À maneira que iam se desencarnando deixavam-lhe seus respectivos quinhões. Solteiro, riquíssimo, ainda jovem casou-se com a bela Ramona, também pertencente a tradicional e abastada família daquele lugar. As pessoas simples, ou melhor, dizendo, os materialmente pobres, quando se casam juntam-se ás suas respectivas misérias por que se a vida para um só já é difícil para dois, então, fica bem mais complicada. O oposto, evidentemente, acontece quando se unem em matrimônio os ricos. Se um só já era rico, em dois, então, muito mais ricos se tornam por que as fortunas se somam.

Pois é, só que Manduca por motivos que somente ele conhecia e que não vem ao caso aqui mencionar, estava em queda livre e a sua riqueza material a cada dia se diluía. Junto com a insolvência financeira vinha também, infelizmente, a moral. Isso acontece amiúde com aqueles que vinculam suas vidas ao tamanho do bolso. Desse jeito a tendência mais natural é que a vida se esvaia a maneira que o conteúdo do bolso vai se derretendo.

Quando os cifrões do ultimo milhão caíram para novecentos e noventa e nove, sua fiel e encantadora esposa bateu asas indo pousar em outro ninho provido de recursos infinitamente superiores aos que lhe restavam. Ela não havia nascido para ser pobre e não passaria o resto da vida com alguém nestas condições. Tinha de aproveitar a jovialidade que ainda lhe restava, de peitos fartos e rígidos distantes ainda da flacidez e da pele macia longe das rugas.

Quanto ás duas filhas balzaquianas, preguiçosas e insolentes que jamais trabalharam ou estudaram, ainda continuavam com ele. Mas seria por pouco tempo. Ausentes quaisquer perspectivas de melhoras, como se fossem carrapatos no lombo de cavalo magro e anêmico, era assim que elas viam o pai, não vislumbrando sequer a luz opaca de um mísero vagalume no fim do túnel, quando elas viram cair o primeiro centavo do meio milhão, chamaram o pai às falas:

- Sabe o que é painho... Nós vamos simbora... Procurar mainha que tá cum burro na sombra. Por que o senhor, num tá cum nada, visse!

Foi assim, curto e grosso, que ele viu seus dois “únicos tesouros”, de araque, dar no pé.

Bem, convenhamos que, lá no fundo, ele até que gostou. Pois aquelas duas tralhas nada mais eram senão dois pesos inúteis em suas já calejadas costas. O que ele lamentou mesmo foi o abandono da mulher, mas, fazer o que?

Cabeça fraca partiu para a bebedeira. Pelo menos ali ou enquanto durassem os efeitos etílicos no sangue ele se esquecia de suas desgraças e decepções. Olvidava-se dos belos momentos de riqueza e mais ainda, do momento atual onde a vida lhe mandava a fatura com juros e correções monetárias.

Deitou certa manhã e acordou em um lugar que não conseguia decifrar. Criaturas passavam por ele e riam. Durante muito tempo ficou ali sentado. Não sabia aonde ir. Estava sem rumo. Anoiteceu. Amanheceu de novo e ele na mesmice. A vida. Vida? Bem, vamos lá, aquilo continuava no mesmo diapasão: criaturas feias passavam por ele e riam. Miravam-no dos pés à cabeça e em escarnio e deboche balbuciavam alguns impropérios ininteligíveis à sua consciência e depois gargalhavam. Ele já estava com o saquinho cheio daqueles “tontos” e prometia a si mesmo que oportunamente se vingaria. Sua mente estava entorpecida e nenhum sinal vital de educação, cordialidade, tolerância e ternura se articulavam no fundo do coité daquele ser que a cada hora se definhava. Ele estava material e espiritualmente em penúria. Em frangalhos. Foi ai que ele sentiu alguém lhe chamando.

- Irmão Manduca!

- Pois não. O que deseja de mim?

- Tudo, disse-lhe aquele recém-chegado. – Vim lhe resgatar!

- Ótimo... Que bom... Mas para onde você vai me levar?

- Para a sua residência, claro!

- E onde fica isso?

- Tá vendo aquela “bolota” azul?

- Sim, tô, por quê?

- Então, é para lá que você vai!

- Espere um pouco... Mais aquilo lá não é a Terra?

- É. Claro!

- Não... Pra lá não. Nem pensar!

- Como não? E Por quê? Lá é o seu lugar!

- Sofri muito naquele inferno. Fui abandonado por todos. Mulher vaidosa e filhas interesseiras. Elas só queriam o meu dinheiro, nada mais.

- Não entendi... O que você acha que lhe aconteceu e onde você pensa que está?

- Eu acho que morri e que estou no Umbral aguardando o momento de ser trasladado aos Céus. Acertei?

- Errou feio!

- como, assim, errei?

-Em Primeiro lugar, você ainda não morreu, apenas está bêbado, grogue e desorientado e em segundo lugar, aqui onde estamos não é o Umbral coisa nenhuma. Isto aqui é um Hospital Terreno para tratamento de viciados em todo tipo de droga inclusive o álcool como no seu caso, e estes que passam e riem de você estão nestas condições. Mas se você continuar assim e não se regenerar logo, já, já você estará embarcando rumo ao Umbral e ninguém, em sã consciência vai lhe garantir que de lá você vá para o Céu. Aliás, sem querer cometer com você o pecado da presunção e prejulgamentos, do jeito que você está levando sua vida aqui, tudo indica que você está mais para o “outro lugar” do que para o Céu...

- Se emenda, meu. Dê sentido a sua vida... Corrija-se, bebum ou então pare de sonhar com o impossível!

Ah, o cara acordou rapidinho. Levantou, sacudiu a poeira e deu... Bem, ainda não sabemos se ele já deu a volta por cima, mas, está indo muito bem. Tudo indica que um dia ele vai chegar lá...

Lá, onde?

E eu vou saber?

Como disse o Anjo, vai depender muito do novo direcionamento que ele der a vida que ele recebeu do Grande Arquiteto do Universo, pura e imaculada ao se reencarnar. Como eu já disse em várias crônicas que até parecem repetitivas, a cada um foi concedido o livre arbítrio de escolher por quais caminhos deseja conduzir a sua vida. O meu eu já escolhi há quarenta e dois anos. Torço imensamente para que todos o escolham, mas não me cabe persuadir ninguém.

Fraternal abraço.

* Enoque Alves Rodrigues é Espírita