CONVERSA NO ALÉM XVI - GEDEÃO E TARSILA
Conto Espírita
*Enoque Alves Rodrigues
Gedeão estava em idade avançada. Fora durante toda a sua existência um sujeito dedicado ao trabalho, à família e a sociedade onde se inseria mediante ações relevantes todas elas voltadas para a filantropia. Desde a mais tenra idade jamais palmilhou outros caminhos que não fossem os que levam sempre ao bem comum. Preocupava-se inteiramente com a situação de seus semelhantes principalmente no que se referiam aos menos favorecidos pela sorte. Tarsila, sua doce e devotada esposa era também um exemplo a ser seguido. Apesar de vir de uma estirpe familiar extremamente bem conceituada sócio economicamente, conseguira transitar por todas as etapas da vida terrestre sem se deixar deslumbrar pela riqueza fácil. Muito bonita, jamais se deixou levar pela vaidade. Prendada e servil, aquele divino ser, conseguia levar sua vida com a maior dignidade possível e muitas eram as moças que nela se espelhavam. Assim como o marido Gedeão, também envelhecera.
Eram frequentadores de determinado Centro Espírita, aliás, famoso, na cidade de Araxá, Minas Gerais. Prestavam ali suas respectivas colaborações, sendo que Gedeão atendia na área de aconselhamentos enquanto que Tarsila era Médium Passista. Transmitia passes magnéticos aos necessitados com a imposição das mãos.
Vinham ambos, de várias encarnações neste planeta de expiações e provas sob a governança do Cristo, O nosso Mestre Maior.
Qualquer um que não tivesse um pouquinho que seja de noção a respeito da pluralidade dos mundos, ou dos conceitos básicos do espiritismo, seria capaz de afirmar com todas as letras que aqueles dois pombinhos já estavam “mais que salvos”, ou como se diz na gíria popular, “com o burro na sombra”.
Só que a coisa não é bem assim. Aos que há muito tempo me acompanham sabem que me expresso em linguajar simples que ás vezes beira o chulo no intuito de me fazer entender melhor por aqueles que assim como eu, ainda estão engatinhando na seara espiritual. Eu não tenho nenhum compromisso com a arte do bem escrever, mas sim, do bem explicar ainda que por vezes corra o risco de me parecer “espiritualmente incorreto.” Isso para mim não tem importância alguma. Basta-me a consciência que tenho de que devo melhorar um pouco a cada dia e que mesmo assim ainda estou a trilhões de anos luz do mais impuro dos espíritos. Ainda que fosse meu desejo, eu não conseguiria pular etapas. A vida e os “Caras do Mais Além” não dão moleza. Existem muitos que se pudessem, deitariam vivos aqui e “acordariam mortos” no Paraíso. Não sou desses. Não é uma crítica, mas uma observação “tosca, aliás. ” Assim sendo, continuemos.
Muitas vezes aqueles que são exemplos a serem seguidos são exatamente os que mais sofrem. Muitos dos que aqui são bons extremados talvez tenham sido maus em pretéritos distantes. Tanto lá como cá na presente e atual encarnação, eles nada foram além do que teriam de ser. Mas eles assim como nós receberam uma missão a cumprir e junto com ela o livre arbítrio. O livre arbítrio acaba sendo um problema para nós. Pois nos dá a sensação de liberdade suprema levando-nos a fraquejar no cumprimento de nossas missões e é ai que entra a Doutrina para nos apontar com amor o rumo a seguir em direção ao Cristo, dando-nos forças para carregar o nosso fardo, caindo e levantando quantas vezes se fizerem necessárias à nossa purgação, mostrando-nos os nossos limites. Assim sendo, meus queridos amigos e diletos Confrades, partindo dessas premissas temos que admitir que não existem perante as Leis do Criador, criaturas boas ou más. Todos nós somos iguais. Temos somente a impressão de melhor ou pior à maneira que evoluímos ou regredimos durante a infinita quantidade de encarnações ou renascimentos. Não foi sem motivo que O Divino Mestre pronunciou esta frase á Nicodemos:
"Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (João 3:3).
Pois é.
O casal de meu conto de hoje não podia fugir à regra. Era chegada a hora da despedida dos entes queridos no ambiente terreno para depois nascer de novo. Para isso, claro, tinha que antes morrer. No entanto ninguém morre sem uma justificativa. Sim, por que não há morte sem dor e toda dor tem de ter obrigatoriamente uma causa.
Gedeão foi ceifado quando apanhava café. Sem motivo aparente caiu batendo com a cabeça. Tarsila, dois dias depois, também regressava à Pátria Espiritual depois de uma forte dor de cabeça.
Lá no Alto uma multidão de Espíritos que tinha a Frente o Líder Adamastor Gerânio que havia sido padre renomado aqui na terra em encarnações passadas, confabulava:
- Mestre, por que razão estes nossos dois irmãos possuem vestimentas e levezas semelhantes ás nossas que aqui estamos a longos anos, não obstante eles terem chegado recentemente da terra?
- Simples, respondeu-lhes Adamastor, o mestre, - Eles já cumpriram com suas missões lá em baixo. Por isso atingiram o nosso estágio. Hoje eles estão em igualdade de condições que nós em termos evolutivos de reencarnação!
- Mestre...
- Pois não, meu bom Edmundo, fala!
- Quanto a nós. Como ficamos?
- Não ficamos, respondeu bondoso, o líder Adamastor.
- Preparem-se. É chegada a nossa vez de reencarnarmos. Temos ainda muitas contas para acertarmos com o nosso passado. Nós vamos descer!
- Mas, Mestre... Deve estar havendo algum engano... Nós não somos anjos?
- Não. Respondeu taxativo o Líder Adamastor. – Nós somos pecadores. Se aqui continuarmos jamais sairemos dessa condição. Vamos descer logo!
- Você vem de quantas encarnações meu bom Edmundo?
- Treze Mestre!
- Pois é. Eu já passei por quatorze encarnações. Veja onde ainda estou. E arrematou:
- Por baixo, imagino que ainda nos faltam mais umas vinte encarnações na terra para que possamos ser considerados espíritos puros cuja camada vibratória se encontra distante da nossa por vários bilhões de anos luz e estes, os espíritos puros, estão a inúmeros trilhões de anos luz de distância da localidade de onde vibram os anjos. Por isso, amigão, esqueça esse negócio de anjo e vamos descer imediatamente por que senão daqui a três segundos o tobogã da oportunidade reencarnatória na terra fecha e aí, meu nego, só daqui há mais duzentos anos...
- É isso o que você quer?
Depois dessa...
Esperar o que?
Desceram e ainda estão entre nós, passando pelas mesmas provações e traumas que a presente encarnação nos oferece. Aguardam, calmamente, o dia de um novo regresso ao Etéreo onde poderão verificar se houve alguma amortização dos seus débitos na caderneta infalível dos Senhores do pretérito. Pois a fila anda e a “vida continua...” como diria o nosso amigo, este sim, Anjo, Emmanuel, do Chico.
Fraternal abraço.
* Enoque Alves Rodrigues é Espírita