Você é Espírita? – Parte II
*Enoque Alves Rodrigues
Ao iniciar o preenchimento da ficha de solicitação de emprego deparei-me com um espaço que não obstante tê-lo preenchido sem titubear, chamou-me, deveras, a atenção, pois naquele momento não consegui associa-lo ás atividades as quais eu estava me candidatando. “Qual é a sua Religião?”, que respondi prontamente “espírita.”. Como até então eu jamais havia preenchido uma ficha de solicitação de empregos tomei aquilo como um ato comum e corriqueiro.
Será?
Enquanto eu aguardava em uma pequena sala onde tinham carteiras tipo escolar para os candidatos utilizarem, meditava: Quando viriam recolher aquela ficha? Será que o preenchimento que fiz na mesma me credenciaria a etapa de testes? O que ouviria do selecionador? Aliás, será que pelo menos eu seria encaminhado para o selecionador?
Matutava com os meus botões e apelava ao amigo mentor espiritual que àquela altura já devia estar de “saco cheio” com tanta insegurança e questionamentos de minha parte. Eis que adentra a sala onde eu estava, uma jovem assistente do Setor de Recrutamento e Seleção. Mirou-me nos olhos e antes que eu tivesse tempo de maquinar qualquer outro pensamento, fulminou:
- Você é o candidato do Mestre Alberto?
- Sim, sou!
- Você já preencheu a ficha?
- Sim, já!
- Deixe-me ver...
Disse isto e puxou a ficha de minhas mãos, passando a analisa-la atenciosamente. Enquanto ela lia a ficha, comentava...
- É bom que você saiba que aqui nesta empresa indicações não contam muito mesmo em se tratando da importância que tem a pessoa que lhe indicou. O que vale é a sua capacidade, facilidade de assimilação e comprometimento...
Ótimo. Para mim, o que interessava mesmo era ter a oportunidade de poder mostrar o meu trabalho com a ressalva de que aquela seria a minha primeira experiência naquela função e eles já sabiam disto.
Puxa vida, fluía bem aquele diálogo que muito otimista me deixava, mas isto seria, que pena, por pouco tempo. Por que, abruptamente, como se tivesse levado um tremendo susto aquela jovem transformou-se e freneticamente olhava para a ficha e para a minha cara mantendo-se por longos minutos nesse diapasão até que criasse coragem para me perguntar:
- Você é Espírita?
- Sim, sou! Por quê?
E ela, curto e grosso, respondeu-me...
- Que pena... Acho que não vai dar para você. A menos que eu lhe dê outra ficha para você preencher.
- Preencher outra ficha? E por quê?
- Ai, moço, eu nem devia falar isso para você. Mais com essa “Religião” ai você não vai conseguir entrar aqui. Eu nem posso te encaminhar para os testes. Lamento muito mais se você não colocar na outra ficha qualquer outra Religião que não seja a Espírita, vai ser impossível fazer qualquer coisa por você. Eu tenho ordens, volto a lhe dizer, de não encaminhar ficha de quem “mexe com coisa ruim” e esse negócio de Espiritismo é muito complicado! Aliás, eu te pergunto: O Mestre Alberto sabia que você era Espírita antes de te enviar para cá?
- Espere um pouco, disse-lhe eu, primeiro você me responde. A que “coisa ruim” você se refere? Nós só fazemos o bem e a todos desejamos o melhor, inclusive para você.
Como vi que ela ficou meio que desconcertada, talvez não contasse com minha reação, passei a respondê-la.
Creio que não. E acrescentei. Não tive a oportunidade de falar ao Mestre sobre isto... Até por que não somos íntimos e a minha Religião diz respeito a mim e a Deus, principalmente por que não vejo correlação do tema Religião com o processo produtivo. Talvez ele soubesse que sou Espírita se eu fosse daqueles que fazem proselitismo religioso, mas, por ai dá para você ver que nem isso depõe contra mim, já que mantenho o meu credo acima de toda e qualquer relação profissional a ponto de preserva-lo silenciosamente.
- Ótimo, disse-me a jovem, passando-me a outra ficha para preencher. – Desse jeito, percebo que você prioriza o seu emprego e entendo que a colocação da palavra “espírita” neste espaço foi por lapso...
- Negativo, respondi, – Você não entendeu nada! Não vou preencher outra ficha coisa nenhuma. Não negarei jamais aquilo em que acredito... Ainda que me paguem milhões... Mesmo que a sua empresa fosse á única no Mundo eu não me prestaria a isto... Sou Espírita aqui ou em qualquer outro lugar... Negar a minha fé é negar O Cristo. Por favor, devolva-me a minha Carteira Profissional para eu retornar aos meus afazeres lá na Obra... Lembro-lhe que não vim aqui pedir nada para vocês... Foi o Mestre quem me mandou... A régua enferrujada com a qual vocês querem me medir, não capacita a sua empresa a ter-me em seus quadros...
- Pretencioso...
- Obrigado!
- Ah, é verdade... Foi o Mestre Alberto quem lhe recomendou... Desse jeito fica mais difícil resolvermos esse impasse por que temos de dar uma satisfação ao Mestre do por que não lhe passar para realizar os testes e ele com certeza não vai gostar.
Por uma vidraça vi que um senhor de óculos pesados nos observava. Futuramente vim, a saber, que aquele senhor se chamava Josué. Num gesto meio indelicado fechou a cara e espalmou a mão voltando-a contra si chamando a funcionária a sua sala.
Depois de longos minutos e muito gesticular enquanto me fitavam como se tivessem ali “definindo a minha sentença de morte” parecia que finalmente haviam chegado a um consenso. Ele me olhava e, gente, quem diria? Sorria para mim! Mais surpreso ainda fiquei quando apontou em minha direção erguendo o dedão em sinal de “positivo”.
Continuaremos na próxima semana.
Fraternal abraço.
* Enoque Alves Rodrigues é espírita