CONVERSA NO ALÉM XXIX - FAZENDO ARTE
Conto Espírita
*Enoque Alves Rodrigues
Diminuta Profícua De Los Amores teve uma infância feliz e abastada. Seus pais, Jacinto e Ortiva eram donos da única farmácia existente na belíssima e progressista Cidade de Juramento, no triângulo mineiro. Probos e honrados proporcionaram a Diminuta educação exemplar e qualidades de vida que nenhuma menina naquela época e localidade possuía. Viviam no centro enquanto a escola onde Diminuta estudava ficava a alguns quarteirões de sua residência não obstante ser levada de carro com chofer particular todos os dias àquela instituição de ensino, aliás, a melhor dali. Garota de gestos simples até os doze anos quando todos, surpresos, notaram grandes transformações em sua vida. Dizia ela ver vultos e conversar com espíritos quem de longe a observava nenhuma diferença ou algo de anormal notava. Mas, ao dela se aproximar poder-se-ia claramente constatar que na verdade, aquele pequeno ser ainda em formação tinha algo de extraordinário á luz da realidade material que ainda hoje, quase nada explica. Ainda não possuímos olhos de ver e ouvidos de ouvir. Somos ainda escravos de nossa visão limitada e ultrapassada que o máximo que nos permite é vermos cada vez menor o nosso misero campo de visão. A noção que temos do mundo na atual encarnação em nada se compara ao que possuem os próprios animais aos quais chamamos de irracionais. Posso afirmar com os limites que a minha visão me permitem ver que eles, os animais, dispõem de uma vista incomensuravelmente superior a nossa, ditos racionais, de araque.
- Dona Ortiva, a partir de hoje a Diminuta não pode mais vir á escola. Ela está falando com fantasmas em meio à classe e todos os alunos agora fogem de medo dela!
- Nunca soube disso, respondeu dona Ortiva à mestra. Não sou obrigada a acreditar no que você me fala sem provas...
- Tudo bem, arguiu a professora, mas o certo é que não podemos mais ficar com sua filha na escola. Trata-se de ensino particular, com mensalidades altas e não podemos correr o risco de uma debandada. Não podemos perder os nossos alunos...
À noite, no aconchego do lar, ouviam-se naquela confortável casa o seguinte dialogo:
- Jacinto, não podemos abandonar nossa filha por motivo banal. Ainda que possuíssemos provas mesmo assim não seria certo nos afastarmos de nossa menina apenas por “falar com alguém a quem não vemos”. Acredito que cada um vê aquilo que Deus permite de acordo com sua fé e evolução. Se não vemos algo de estranho é por que não estamos preparados e sendo, assim, é melhor mesmo nada vermos!
- Entendo, respondeu-lhe Jacinto, mas as consequências, para nós, podem ser muito danosas e prejudiciais aos nossos negócios já que ninguém vai querer negociar com pai de “menina fantasma” ou com alguém que vê a quem “não tem cara!”.
A Diminuta, que a tudo ouvia, não foi difícil entender que estavam ali decidindo o seu destino. Sem querer ser um estorvo aos próprios pais naquela mesma noite saiu de casa. Para onde ela foi jamais se soube. Apenas que não se encontrava mais em Juramento que era uma cidade muito pequena para não nota-la.
- Você não pertence a esta Colônia, disse-lhe um irmão que puxava de uma perna. – Acredito que você esteja perdida e que seja muito pequena para “estar aqui.”. “Isto aqui não é lugar para crianças!”.
Ao ouvir aquele individuo Diminuta tentou acelerar o passo. Por mais que tentasse não se movia do lugar. Sendo assim, parou e ao se encostar a um tronco para poder visualizar o rosto daquele ser “desconhecido” descobriu que o mesmo era demasiado alto, pois seus olhos não conseguiam alcançar-lhe a face.
- Estou aqui exatamente por que os meus pais queriam me expulsar de casa por estar falando com alguém sem rosto...
- Quem é você? Como faço para poder ver a sua cara? Por que razão não posso estar aqui? Que lugar é este? Por que...
- Acalme-se, interrompeu lhe, aquele irmão, - uma pergunta por vez -, se deseja que eu responda... Sou Narciso e acabo de me desencarnar na terra. Ando vagando por aqui em atendimento a ordens superiores á procura de algo precioso que sequer imagino onde encontrar, mas que eliminaria todas as dores da lepra que inclusive destruiu todo o meu rosto. Estou em um processo de autodestruição progressivo o qual só será contido quando eu encontrar o meu tesouro...
- Meu Deus, exclamou Diminuta, - como pode alguém se chamar Narciso sem sequer ter rosto para poder se olhar no espelho? Afinal, a quem o senhor procura?
Não dava mais. Tinha de abrir o jogo.
- Me chamo Jacinto e como lhe disse, estou chegando de Juramento, onde me desencarnei. Sou o pai de uma menininha de nome Diminuta que desapareceu de nossa casa antes que eu a expulsasse. No umbral de lodo para onde fui arremessado, figuras horrendas e primitivas desprovidas de coração, exigem que eu a resgate e apresente para eles a fim de que o meu processo destrutivo seja contido e eu possa atingir o campo da “erraticidade” onde serei preparado para, quem sabe, uma nova oportunidade de reencarnação na terra para seguir evoluindo...
- Senhor, tenho de seguir viagem. Outras paragens me esperam. Desejo toda sorte do mundo ao senhor, apesar de saber que aqui, neste lugar, isso não conta muito...
Era ela. Diminuta a própria filha que o pai agora em desespero buscava, não para se redimir das faltas e atrocidades que com ela cometeu, mas para aliviar as próprias dores, num egoísmo sem fim que o acompanhou até mesmo depois de morto. Assim não vale mesmo. Diminuta tinha mesmo que ignorá-lo. Quase nada podia fazer por ele.
É!
Fazer o que?
Fraternal abraço.
*Enoque Alves Rodrigues é Espírita.