CONVERSA NO ALÉM XXX – ALESSANDRA
Conto Espírita
*Enoque Alves Rodrigues
Na linda e progressista Cidade de São Caetano do Sul no Estado de São Paulo, nasceu em uma manhã primaveril do ano de 1920, em um lar abastado, a bela Alessandra Maria Boaventura. Seu pai, João Boaventura era um dos melhores alfaiates da região e mantinha seu atelier na Rua Espírito Santo, enquanto que sua mãe, dona Mariângela Boaventura, presidia importante instituição de ensino além de dirigir alguns clubes esportivos de destaque, inclusive, naquela época por onde passaram vários atletas alguns de projeção nacional.
Menina ainda foi matriculada na melhor escola para onde se dirigia todos os dias de manhã, conduzida pelo motorista particular da família de nome Florisvaldo. Alessandra crescia formosa e inteligente enquanto se preparava para o vestibular mais concorrido daquele ano de 1938. Não foi difícil a sua aprovação para Medicina que iniciaria no ano seguinte em uma das melhores universidades da Capital de São Paulo. Dois anos, no entanto, antes de se formar, em 1942, quando retornava para sua residência em São Caetano sofreu um mal súbito em plena avenida dos estados aonde corre o rio Tamanduateí vindo a se desencarnar de morte natural. Seis anos antes havia sido a vez de seu tio de nome Valdemar, que, como ela sempre dizia em rodas de amigos, era ele o seu melhor tio. Não há coincidência em Espiritismo uma vez que nada acontece por acaso. Pois é, o tio de Alessandra, Valdemar, desencarnou no mesmo local que ela, também de um mal súbito quando dirigia retornando de uma universidade em São Paulo onde, acreditem, também cursava medicina, dois anos antes de se formar. Pois é.
Mãos acolhedoras conduziam com amor Alessandra desde o primeiro momento de seu desencarne. Não muito afeita às dificuldades materiais em sua curta existência terrena, Alessandra imaginava, claro, por força do hábito, que ali também seria ela merecedora de todos os mimos e confortos que aqui jamais lhe faltaram. Teria ela ali, naquela dimensão, serviçais aos seus cuidados aos quais ordenaria dotá-la de tudo a tempo e na melhor hora que lhe aprouver. Nunca havia pegado no batente quando encarnada aqui neste famoso planeta de provas e expiações cruéis e não seria agora depois de morta que isto aconteceria.
- Alê, aqui lhe trago uma vassoura para que comece a varrer o chão. Os figos estão em fase de florada quando desprendem grande quantidade de folhagem...
Alessandra olhou para o chão que estava coberto por folhas. Não acostumada a cumprir ordens, mirava as folhas ao chão, a vassoura e o rosto da jovem que a assistia. Por alguns minutos permaneceu estática e silente até criar coragem para travar com a jovem, na verdade, um espirito puro inteiramente quite com todo e qualquer resgate, o seguinte diálogo:
- Passei toda a minha vida na Terra onde todos dizem ser um “mundo cão” sem que tivesse qualquer necessidade de varrer alguma coisa. Jamais precisei trabalhar. Meus pais me davam tudo. Recebia no conforto do lar, todos os cuidados de empregados sempre atentos e preparados para me atender. Por que razão aqui, depois de morta, terei de trabalhar?
- Exatamente, respondeu-lhe aquele anjo, é por isso mesmo, a sua ociosidade lá embaixo é um dos principais motivos que nos obrigam a não perdermos tempo com a sua preparação no sentido de que possamos integrá-la como serviçal colaboradora no Ministério do Amparo aos Sofredores. Como você não possui, mesmo tendo vivido todo este tempo na terra, qualquer horas bônus, você tem que começar do zero.
- “Ministério do que?”.
- De Amparo aos Sofredores!
- “O que é isto? Como funciona? Qual vai ser a minha função? Serei médica... Sim por que lá embaixo eu não consegui terminar a medicina por que vocês me “trouxeram” para cá antes do tempo e a culpa não foi minha, mas de vocês! Qual vai ser o meu salário?”.
Sinval, era esse o nome daquele iluminado Espírito, observou, piedosamente, o rostinho aflito de Alessandra e, na suavidade própria dos que habitam a mais elevada dimensão, muito próxima do Altíssimo, passou a responder-lhe:
- O Ministério do Amparo aos Sofredores é o lugar onde realizamos a triagem que determina o tipo do tratamento ao qual todos devem passar antes de seguirem viagem para a segunda etapa de preparação, uma camada acima de onde estamos. Você vai colaborar na condição de ajudante do auxiliar do faxineiro que por sua vez se reportará ao supervisor da limpeza, ao qual, pela hierarquia do local, você não poderá se dirigir. Quanto ao término de sua faculdade de medicina, dependendo do seu esforço aqui, terá oportunidade de se reencarnar e concluir... As Leis Divinas são precisas. Não antecipamos em nenhum segundo o seu desencarne. Você veio no tempo certo. No que se refere ao seu salário, lhe informo que aqui nós pagamos em “bônus” que equivalem a horas trabalhadas as quais vamos somando cada segundo numa contagem progressiva até que você adquira o direito a uma nova reencarnação na terra onde deverá seguir contando pontos...
- Ainda falta muito para eu retornar á terra? - quis saber Alessandra.
- Acredito que sim, respondeu-lhe o anjo. E completou:
- Você ainda sequer pegou na vassoura! A continuar assim a reencarnação lhe será um sonho impossível o qual aqui não lhe é permitido sonhar... Trabalho, trabalho e trabalho. Disciplina, disciplina e disciplina. São este aqui o nosso lema. Doravante, o seu também, se é que você deseja realmente chegar a algum lugar.
Fraternal abraço.
*Enoque Alves Rodrigues é Espírita.